Crónicas

Os príncipes

Isabel II, com a carteira no braço, acenava da varanda do Palácio de Buckingham e, por instantes, tudo parecia certo

O mundo ficava longe do muro que dava para o campo de futebol da escola, mas pouco importava. Todas as manhãs as miúdas dos Ilhéus encostavam-se ali para classificar as pernas dos rapazes que jogavam à bola e falar do par romântico da telenovela, dos cantores pop e da realeza que vinha na revista ‘Hola’, impressa em fotografias e em papel lustroso.

Os princípes não eram bonitos – não aos nossos olhos – e os vestidos das princesas pareciam estranhos. E, ainda assim, até as adolescentes imbuídas do estilo excessivo dos anos 80, não resistiam às histórias daquelas figuras, levadas pela imagem do conto de fadas, de viver num palácio, usar chapéu a condizer com a indumentária e deslocar-se em carruagens puxadas por cavalos.

A ideia era irresistível, mesmo que a rainha de Inglaterra se assemelhasse muito às senhoras inglesas de férias, com os seus vestidos azul celeste e o herdeiro fosse a antítese do príncipe encantado. Certo é que viviam todos em castelos e tinham um reino. E um reino era o contrário da nossa república, não se corria para ir acenar ao presidente, nem havia carruagens e bailes para usar vestidos com a bainha a roçar o chão.

E, por isso, quando se soube que o marido de Isabel II iria passar pela Madeira, gerou-se um frenesim, que estar perto do duque de Edimburgo seria quase como tocar em todo o glamour da realeza, era guardar para si um pedacinho do conto de fadas. Lembro-me que ponderei faltar às aulas, mas, no fim, fui para casa no autocarro como num dia qualquer, a lamentar não ter o que contar no intervalo das aulas.

Não é que sonhasse com princípes, nem com princesas. Eu, na verdade, não me atrevia a olhar de frente para o espelho e, quando pensava no futuro, imaginava-me independente, dona de uma vida onde não cabiam histórias românticas. A vontade de ver um duque de carne e osso era apenas para tentar agarrar um mundo que existia através das monarquias, mas sobretudo pela família real britânica.

Um mundo de coroas a cintilar, de tiaras e jóias, de coches e cavalos e que, naqueles conturbados anos 80, parecia de outros tempos. A nossa vida era incerta, pairava uma ameaça que podia descambar numa guerra nuclear. A república vivia tempos duros, com o FMI a ditar as regras e a inflação alta. As notícias falavam de uma doença nova e a moda era de roupas largas e unissexo, excessiva, a música pop produzia sucessos fugazes. E, apesar de tudo isto, Isabel II, com a carteira no braço, acenava da varanda do Palácio de Buckingham e, por instantes, tudo parecia certo.