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A reafirmação americana

Após a visita de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos da América, a Taiwan, país independente sobre o qual paira a revindicação chinesa de que é um território separatista que pertence à República Popular da China (RPC), ficamos novamente à espera do escalar de tensões entre o Ocidente e o Oriente, como se já não bastassem as decorrentes da invasão de Putin à Ucrânia. Contudo, quando nos colocamos na perspetiva americana percebemos o porquê de tal iniciativa ter sido necessária, não especialmente em favor de Taiwan, mas sim em favor dos Estados Unidos e da sua imagem no panorama internacional.

Os Estados Unidos, no rescaldo da 2.ª Guerra Mundial e devido às suas práticas belicosas da Guerra Fria, tornaram-se num país conhecido pela sua sede de sangue e de dinheiro (a indústria do armamento), porém, desde o início do século XXI, a sua reputação tem vindo a se deteriorar tanto em relação à moralidade das suas práticas (ex: prisão de Guantanamo, violação de direitos humanos no Médio Oriente, etc.) como em relação ao seu poderio militar. Com o mandato de Trump, parece que a reputação definhou completamente, não só em termos de credibilidade política como também a nível social sendo que, em relação a este último, ainda se distinguem dois elementos: a desunião dos cidadãos e a influência da RPC ocorrida devido ao ideal ultracapitalista americano. Em relação a este último aspeto, central para este artigo, parece-me importante relembrar que ainda em 2019 estavam a ocorrer movimentos de censura ou manipulação de informação por parte de empresas americanas (incluindo a liga desportiva NBA) em relação aos protestos de Hong Kong, sendo que obedeciam ao Partido Comunista Chinês de forma a continuarem a ter acesso ao colosso que é o mercado chinês, o mais desejado mercado do mundo. Igualmente, também temos a aplicação TikTok que, como saberão aqueles que lêem os termos e condições da aplicação, recolhe até os padrões de tacteamento de letras nos telemóveis, ou seja, conseguem saber o que diz cada mensagem que os utilizadores enviam, a fim de encaminhar este e muitos mais tipos de dados de volta para a RPC (para os mais interessados, o fenómeno chama-se de data farming).

Como tal, perante a imagem humilhada de uns Estados Unidos que a pouco e pouco se iam esmagando sob o seu próprio peso e devido à sua maior rival, faz sentido acreditar na ideia da revitalização americana no sentido de se colocar de novo na posição de líder global do ocidente que não teme os seus inimigos do leste. É aqui, aliás, que fazem sentido a sua intervenção na Ucrânia – uma mensagem à Rússia – e a visita de Pelosi a Taiwan – uma mensagem à China.

Quererão os Estados Unidos um conflito bélico direto com a China? Não, tal como não o querem com a Rússia porque seriam guerras em que ninguém ganharia e todo o mundo perderia. Contudo, isso não impede que o lado americano tome atitudes hostis não violentas como foi o caso da ida de Pelosi.

Por isso, parece óbvio que os Estados Unidos não pretendem dar livre rédea aos regimes totalitários da China e da Rússia para agirem como querem mesmo que o façam longe deles. Não é uma solução ideal ou moralmente positiva, porque rejeitar essa verdade seria ignorar todos os massacres levados a cabo pelos Estados Unidos, mas é a melhor situação possível de momento porque é um país que, apesar de tudo, continua a ter algum respeito pelos valores democráticos e humanos enquanto que a China (que como “coroa” do seu abuso da minoria étnica muçulmana Uigur tem campos de “re-educação” a eles destinados) e a Rússia (uma panóplia de violações mais generalizadas contra oponentes do governo) continuam a se distinguir como estados antidemocráticos.