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O bom, o mau e o ato de contrição

O ato de contrição de Paulo Cafôfo chegou-nos sob a forma de entrevista

Ao 24.º dia da invasão de 3 dias da Ucrânia, o jogo das sanções económicas coloca-nos perante escolhas impensáveis. A Europa, que se uniu nas penalizações económicas à Rússia, é a mesma que confiou aos russos a sua soberania energética. De todos os que dependem do petróleo e gás russo, destaca-se a Alemanha. A principal economia europeia depende da energia russa e essa dependência alimenta a máquina de guerra de Putin. Por isso, há quem sugira o levantamento das sanções ao Irão e à Venezuela como forma de reduzir a dependência da Rússia. Escolher entre um vizinho tirano ou dois tiranetes distantes. Estaremos preparados para fazer essa escolha?

O bom: Volodymyr Zelenskyy

De vez em quando, a história oferece-nos capítulos destes. Histórias de homens e mulheres que se agigantam perante o terror e, à custa dessa coragem, se transformam em símbolos de esperança. Curiosamente, muitas dessas personagens simbólicas nascem de indivíduos improváveis. Churchill viveu assombrado pela catástrofe militar de Gallipoli na 1.ª Grande Guerra, antes de liderar os ingleses à vitória na guerra que se seguiu. Walesa era um simples eletricista antes de ser o primeiro presidente da Polónia democrática e de inspirar milhões a lutar contra a opressão soviética. Zelenskyy foi presidente na televisão, antes de ser de todos os ucranianos. Não se trata de comparar uns com outros ou de traçar paralelos entre o passado e o presente. Apenas a constatação de que há homens e mulheres, mais ou menos improváveis, que sozinhos mudam o rumo da história. Zelenskyy será, certamente, um deles. A par da resistência incondicional aos russos, da reanimação do espírito europeu ou da cómica recusa de uma boleia americana, o presidente ucraniano é a personificação de uma nova Ucrânia e a lembrança da fragilidade do conforto em que vivemos.

O mau: A moda dos Vouchers

Perante a subida galopante do preço dos combustíveis, há um facto que importa recordar. Em Portugal, mais de metade do preço da gasolina corresponde a impostos. É óbvio que o aumento do preço dos combustíveis deve-se, principalmente, ao aumento do preço da matéria prima. Mas, se o preço do barril está fora do alcance do Estado, o mesmo não se pode dizer da carga fiscal que lhe está associada. Por sinal, a parte mais significativa na definição do preço final da gasolina. Face à óbvia, necessária e urgente descida do imposto sobre os combustíveis, o que decidiu António Costa? Complicar o que deveria ser simples. A complicação chama-se AUTOvoucher, uma adaptação do malfadado IVAucher aos combustíveis. Resumindo, todos os meses o Estado devolve-lhe 20 euros de tudo o que consumir num posto de abastecimento. Não se preocupe, leu bem. O mecanismo que o Estado engendrou para compensar o aumento do preço dos combustíveis, engloba jornais, revistas ou tabaco, desde que sejam comprados numa bomba de gasolina. Ainda assim, o que deveria indignar nos vouchers fiscais, não é o seu alcance, mas o malabarismo fiscal que representa. O que o Estado nos vende como um desconto, não é mais do que uma devolução de dinheiro gasto pelo contribuinte e que, muito provavelmente, voltará a ser gasto no mesmo produto. Se a carga fiscal e o consumo são os mesmos e o preço da matéria prima aumenta, a receita do Estado com os combustíveis será cada vez maior. O AUTOvoucher é um mero exercício de marketing político. É a trapaça ao contribuinte, quando o que precisamos, na verdade, é de uma redução efetiva do imposto sobre os combustíveis.

O ato de contrição: A entrevista de Paulo Cafôfo

O ato de contrição de Paulo Cafôfo chegou-nos sob a forma de entrevista. No entanto, ao contrário do ato de contrição católico, em que o pecador pede perdão e arrepende-se dos seus pecados, Cafôfo lançou-se num rosário de desculpas e acusações, que deixam no ar um aroma inconfundível a ajuste de contas, com notas marcantes de um amor excessivo a si mesmo. A primeira vítima foi o novo presidente socialista. Na primeira semana de liderança, normalmente reservada pelos partidos para a afirmação política dos novos líderes, Sérgio Gonçalves viu-se forçado a dividir o palco com a figura que o antecedeu e da qual se tem de libertar. Ofuscado o presidente eleito, chegava a hora do presidente vencido. É certo que Miguel Silva Gouveia perdeu eleições e teve, como já aqui escrevi, um final de mandato atribulado, mas ter de ouvi-lo da boca de quem o escolheu, ainda por cima da forma gratuita como o fez, era algo que o visado não merecia e a que Cafôfo se deveria ter poupado. Mas o reparo mais surpreendente da entrevista ficaria para o final. A Carlos Pereira, Cafôfo lembrou-se de exigir dedicação plena ao partido para além das eleições, mas nas entrelinhas ficou a desconsideração à muito querida mas adiada. Chegados ao final da entrevista, a contabilidade é simples de fazer. O que sobra em acusações, escasseia em responsabilidade. As derrotas justificam-se com traições, as escolhas de candidatos falharam por erro dos próprios e a não demissão do cargo é sanada pelo superior interesse do partido. Paulo Cafôfo convenceu-se que as vitórias eleitorais são sua propriedade e as derrotas pertencem a todos os outros. Nesta entrevista, mais do que uma contrição, o antigo presidente do PS brindou-nos com uma absolvição. A sua.