Chorar de alegria ou de tristeza neste Natal?

Atrevo-me a dizer que o deus do futebol chorou em Qatar por um futuro de esperança perdida. Será que este tempo de Natal é de se alegrar, de chorar ou de esperança imperdível no Menino? Quase tudo é mais triste e doloroso do que se faz crer. A ideologia de silenciar o que incomoda não vinga, porém, nas cenas dos Evangelhos em que se narram episódios de choro. Jesus, Filho de Deus Pai, compadeceu-se com a mãe viúva de Naim pela morte do seu filho único. Não se diz que chorasse, mas devolveu a alegria ao luto da mãe. E hoje quantas cenas de mães, crianças e doentes a chorar por causa da guerra. Noutra cena, Jesus chora sobre Jerusalém compadecido por aquele povo que não reconhecia o momento em que ainda podia, com Ele, evitar a crueldade das cenas de fome, luto, miséria, humilhação e ruína daquela cidade e templo no ano 70. No caminho para o calvário ao encontrar-se com as mulheres que o choravam por compaixão, Jesus pediu que chorassem antes por elas mesmas e seus filhos pois “virão dias terríveis...”. Daí a uns 30 e tal anos as legiões romanas cercaram e arrasaram a cidade e o templo. Se então se viveram infernos de dor e desespero, hoje, em todo o Planeta, na Ucrânia, Rússia, etc. vivem-se dezenas de outros infernos de violência, fome, morte e luto que nada consegue silenciar, falsear e esconder. Impressionou a muitos ver no dia 8 de dezembro o Papa a chorar ao evocar as crianças, mães e doentes massacrados na Ucrânia. Comovido, chorou em oração perante a estátua da Imaculada Conceição em Roma. E quantos não se terão comovido? Que cena do Natal!

Veio à memória a cena da aparição em La Salette em 19.09.1846, nos Alpes, em que Nossa Senhora sentada a chorar lamentava para os dois videntes, Maximin e Mélanie, por o povo não respeitar o domingo e não ir à igreja, e por blasfemarem contra as pragas das batatas. Choro, por males de não respeitarem os direitos de Deus. Hoje, até os dos animais passam à frente.

Outra cena de choro, oito anos depois, de alegria, a do Papa Pio IX, dia 8 de dezembro de 1854, com 50 mil pessoas, à pinha, na Basílica de S. Pedro. Ao proclamar o dogma da Imaculada Conceição, faltou-lhe a voz (ainda não havia altifalantes) e estava triste por não se fazer ouvir de tanta gente. Quando chegou à fórmula da definição, testemunha ele: “Deus deu à voz do seu Vigário tal força e tal vigor sobrenatural, que a fez ressoar em toda a Basílica (…), fiquei tão impressionado por tal socorro divino que fui obrigado a suspender, por um instante, a palavra para dar livre desafogo às minhas lágrimas”. Que os votos e oração de todos, sejam de um Natal com mais choro de alegria e menos de tristeza e sofrimento como, infelizmente, se perspetiva.

Muitos choram com fome pela falta de alimentos, o seu preço excessivo da inflação e logo outros se deleitam por enriquecer com negócios escuros de produtos alimentares; estes passam frio por as suas casas, as centrais elétricas, e redes de distribuição terem sido bombardeadas enquanto outros fazem fortunas com negociatas das fontes de energia; muitos voluntários mitigam a fome dos pobres, o frio dos que dormem nas ruas das cidades, oferecem brinquedos e mimos a crianças pobres e idosos, ao passo que tantos gananciosos fazem fortunas de dinheiro sujo a traficar químicos e armas de violência e morte; enquanto corações bondosos continuam a poupar e ser solidários com os seus irmãos pobres, outros esbanjam as riquezas do Planeta para se encherem de vaidades, inutilidades a corromperem os bens comuns da criação.

O Menino Jesus, de braços abertos na sua manjedoura, antecipa o seu chorar compassivo sobre Jerusalém planetário: Se neste Natal “tivesses conhecido o que te pode trazer a Paz!”Está oculto aos teus olhos. “Virão dias (…) hão de esmagar-te contra o solo, assim como aos teus filhos que estiverem dentro de ti, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, por não teres reconhecido o tempo em que foste visitada”. E os anjos continuarão a cantar a alegria e esperança do Natal: Glória a Deus nas Alturas e Paz aos homens da parte do amor de Deus!

Aires Gameiro