O Natal das chagas

O Natal está aí à porta mas para a maioria da população "ele", nem sequer pela janela entra, por esse "postigo" a cair de podre, não há lugar excepto para molhar o tampo da mesa pobre, que nesta casa não há vestígios de bacalhau. Tudo lá dentro são só peles secas e frio a abarrotar que faz doer e correr lágrimas que se renovam a cada ano. Por tal postigo que tapa a luz sempre lunar, porém, continuam a ter espaço as promessas dos governantes que se repetem no pequeno rádio de pilhas, que graças ao Senhor ainda funciona, até que elas se esgotem, e acabem no lixo para evitar que se acumulem ao restante que os pés arrastam sobre o soalho gasto e a precisar de tábuas novas. Material difícil de arranjar e o município também "não tem conhecimento" de tais habitações e do seu estado. As despesas são mais que as rabanadas que a pouca sopa sem feijão, ligeira, essa está mais ou menos garantida por esta noite. Os serviços camarários que os seus veículos e os homens que carregam as sobras que os mais abonados deitam fora ou junto aos contentores próprios para o efeito de recolha, encarregam-se de os distribuir entre eles após devidamente selecionados e separados, e não chegam ao eco-ponto para serem sujeitos à procura pelos que deles necessitam. Eles também são necessitados de uma qualquer velharia ou caco ainda aproveitável e nunca reclamada. O Natal é assim uma "festa quase poema em cascata vazia, "interessante", para os que têm e ainda mais se enchem e juntam aos que possuem habitação aceitável, com um canto ainda vazio, como a vida de alguns deles e onde dormem com algum conforto. Pior estão os que moram na rua ou no barraco com a companhia do rafeiro fiel e também a ladrar "pedindo a Deus o seu osso e a sua gota de água". As mãos endurecidas pelo frio já mal se estendem e assim vão envelhecendo desde há anos, tantos quantos têm de vida, porém nunca lhes faltou governo a prometer-lhes melhorias que lhes tapava a entrada da miséria e apenas com uma abertura para que pudessem deitar as embalagens e os frascos de remédio que destes males não os curou nem à suas famílias que se cobrem no mesmo frio e no mesmo calor da fé. Mas é assim. Enquanto uns riem outros choram. Não há nada mais a comentar. Já tudo foi ou está dito e escrito nos livros sagrados, e por quem sabe safar-se melhor!

Joaquim A. Moura