Crónicas

O Velho, o Rapaz e os Burros

Os nossos jovens não perspectivam construir, no futuro, famílias como nós as vemos

1. Disco: hoje, uma colectânea acabada de sair: “Essiebons Special 1973-1984”, um tributo aos maiores da música do Gana. Afrobeat no seu melhor. Um álbum carregado de excelente música que celebra o importantíssimo trabalho da editora Essiebons, fundada e dirigida pelo já desaparecido Dick Essilfie-Bondzie, um dos nomes mais importantes do panorama musical africano.

2. Livro: “O Poder da Geografia: Dez Mapas Que Revelam o Futuro do Mundo”, de Tim Marshall. Prever o futuro — valendo isso o que vale — a partir de uma série de mapas do mundo e do valor estratégico dos territórios. Uma análise, completa e profunda, da geopolítica do século XXI que demonstra as importantes inter-relações entre a política e a geografia.

3. Quando comecei a minha colaboração com o DN, de um modo mais continuado, escrevi uma série de pequenos artigos onde reescrevia fábulas e histórias tradicionais, adaptando-as aos tempos que vivemos. Permitam-me a preguiça e permitam-me que reescreva o que já reescrevi em tempos, pois parece-me adequado.

No alto de um monte, vivia um Velho e um Rapaz. Casa antiga, de colonos, com um pequeno palheirinho que servia de abrigo a um burro.

O Velho era quem mandava. Mandara sempre desde que o tempo da democracia era o tempo. Punha, repunha e dispunha. Geria os dinheiros a seu bel-prazer e, se lhe desse na veneta, escondia despesas que não pagava.

O Rapaz ia crescendo e refilando. Que já era tempo dele mandar, que conseguia tudo dos que mandavam em quem mandava e que, se lhe não ligassem, dava murros em cima da mesa e gritava, muito baixinho, “BASTA”!

O Velho era cá um espertalhaço. Bem-falante, conseguia convencer a maioria de que meio mundo os perseguia e o outro meio mundo preparava-se para o fazer. Se preciso, dizia agora o que desdizia daqui a bocado e, assim, todos ouviam o que queriam ouvir. Vivia num castelo de areia que montou na sua cabeça, cheio de torres e muralhas, pontes e passadiços, parecia um peru inchado de bazófia. Tudo prometia:o certo, o errado, o que fazia sentido e o que não tinha sentido nenhum. O Velho era um velho.

O Rapaz era de outra cepa. Achava-se predestinado, salvífico. Mas não era mais do que o Velho. Estava convencido de que dominava a ciência da política,porque lera um livro. Todo o que fazia era isento de erros e de falhas. Era ambicioso e tinha inveja do Velho. O seu melhor amigo era um espelho com quem falava a pedir conselhos. O espelho não lhe respondia, porque o espelho que responde é de outra “estória” que não esta. Para pouco mais servia do que para ajeitar a farpela e acertar o sorriso. O Rapaz também era um velho.

E o Burro? — perguntam vocês. O Burro somos todos nós, que “alimentamos este mesmo e mais do mesmo”, como se não houvesse mais nada. Tem vezes que pensamos ser estúpido o Velho ir montado e o Rapaz a pé, noutras pensamos o contrário e apeamos o Velho para lá pôr o Rapaz, sem nunca percebermos que quem os carrega somos nós.

Ainda por cima, diz-se por aí que, depois das próximas eleições, é muito provável que tenhamos de carregar com o Velho e o Rapaz, em simultâneo, em cima do lombo.

4. Deixo aqui a minha permissão para que, a PSP, a GNR, o SIS, o ex-SEF — que agora não se sabe o que é —, a ARAE, o FBI, a CIA, a NSA, a KGB (não sei que nome o Putin lhe dá agora), a Guarda Suíça do Papa em traje cerimonial, a Mossad, o MI5 e o James Bond, o Priorado do Sião, os Hobbits da Terra Média, os gajos dos Ficheiros Secretos e os do Duarte e Companhia, os Storm Troopers e o Darth Vader, o Chuck Norris e o Rambo, os agentes da SHIELD e os Avengers, os Illuminati, os Man in Black e os X-Men, os Ghost Busters, o Gandalf e o Dumbledore, o Pai Natal e o Coelhinho da Páscoa, a Fada dos Dentes, o Son Goku, os Scorpions e os Bon Jovi, as Tartarugas Ninja, um bailarino do Grupo Folclórico da Camacha, o Scooby Doo, os tipos da Casa de Papel, o He-Man e o Sponge Bob, o Secretário Regional da Saúde e o da Educação, o MacGyver, um molho de bróculos, todas as redes sociais menos o Tinder, eu tu ele nós vós eles, e coisas em geral, metam o bedelho na minha vida pedindo comprovativos de vacinação, testes rápidos de antigénio e PCR, análises à urina e ao sangue (exceptuam-se as outras excrescências, para não enojar ninguém), caderneta escolar, livro do ponto, registo criminal, declaração de IRS, dívidas às Finanças e à Segurança Social, recibos de vencimento e tudo o resto que se lembrem e facilite o combate a toda e qualquer categoria de pandemia. Assim, ficam a saber tudo da minha vida, bem melhor do que eu, e achatamos a porcaria da curva de uma vez por todas.

Release the Kraken!

5. Um dos direitos naturais que todos temos é o de criar família e, a partir dela, ter descendência. Um ser humano tem o direito a ambicionar ter filhos.

Num país que está longe de atingir os níveis de riqueza que proporcionem às famílias uma vida condigna, é natural que a natalidade baixe.

Não são precisos grandes estudos para concluir que os nossos jovens não perspectivam construir, no futuro, famílias como nós as vemos.

Esta tendência tem de ser invertida, com medidas que incentivem a natalidade. A começar pelos nossos municípios, que estão na primeira linha, que têm deser empreendedores de modo a atrair empresas que gerem empregos qualificados, territórios de baixa tributação, educação de qualidade aumentando a autonomia da escola, níveis de segurança elevados, cuidados de saúde rápidos e eficazes, acompanhamento dos menos jovens, como parte integrante de uma qualidade de vida condigna que se quer para todos.

O que temos são baixos salários, uma educação condicionada e dirigista, a impossibilidade de aceder à habitação, devido às condições de acesso ao crédito… são milhentas as razões. Uma delas, e de enorme importância, é que as novas gerações não percepcionam poder ter uma vida melhor do que os seus pais tiveram. Esta herança que passamos é terrível e devia, no mínimo, envergonhar-nos.

6. Por razões que só os defensores da “realpolitik” conseguem perceber, pouco se fala do bárbaro genocídio cometido pelo sangrento regime chinês. São uyghures, kazakhs e outros povos de origem turca, que professam o islamismo, na província de Xinjiang. Assassinatos, guetos, prisões arbitrárias, violações, tortura, trabalho forçado, campos de concentração e de reeducação por onde já passaram mais de um milhão de uyghures. O mundo assobia para o ar e, como Pilatos, lava as mãos como se nada se pudesse fazer contra os comunistas do Império do Meio.

Os responsáveis por tudo isto têm nomes e rostos: Xi Jinping, presidente chinês e o seu comparsa chefe do Partido Comunista Chinês na província, Chen Quanguo.

Já alguém ouviu falar nos Xinjiang Papers? São um conjunto de documentos, que perfazem 403 páginas, onde o que vai acima fica provado. Documentos secretos, fornecidos por um membro do “establishment” político chinês que permanece no anonimato, e que têm sido tratados com muito cuidado para que a sua identidade se mantenha secreta.

Estes documentos provam que o genocídio é deliberado, o resultado de uma definição política. Xi Jinping e a sua clique são os responsáveis pelas ordens de destruição de um povo, da sua língua (que foi proibida), da sua cultura, tradições, sonhos e esperanças.

O comunismo mata. E a única cura é a liberdade.

7. Na semana em que o “passageiro” se demitiu, andaram as redes sociais num frenesim liberal: eles eram os neoliberais, os ultraliberais, os superliberais, os anarcoliberais, etc. Eu cá senti-me “supercalifragilisticexpialiberal”.