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Rendeiro foge e o país definha

Posso não ter formação jurídica e não conseguir perceber – defeito meu – que ninguém na Justiça falhou no caso da fuga de João Rendeiro, ex-presidente do Banco Privado Português. Os juízes estavam impedidos de o proibir de sair do país, o legislador não previu este tipo de situação, não havia aparente perigo de fuga, enfim, já ouvi de tudo.

Uma pessoa que foi julgada em vários crimes, um dos quais que transitou em julgado – isto é, não é passível de mais recursos – e tem pena de prisão para cumprir, deu-se ao luxo de se ausentar do país e veio dizer que foi “difícil” a decisão que tomou em não voltar.

Maior sarcasmo era difícil.

A mim nada me move contra o senhor pessoalmente, nem acompanhei o processo devidamente, mas estou atento o mínimo para saber que em Portugal se detêm pessoas preventivamente quando ainda nem a julgamento foram, ou o processo decorre. Parece óbvio a todos que o perigo de fuga deste senhor era evidente e a Justiça, por muito que tenha cumprido a lei, aos meus olhos, falhou. E falhou aos olhos dos portugueses, falhou aos olhos das pessoas que trabalham muito para obterem os seus rendimentos, quantas vezes abaixo do que mereciam, para verem isto acontecer. Se os juízes estavam impedidos de o proibir de sair, reveja-se o Código Penal uma vez mais (já foi revisto dezenas de vezes). Se o legislador não previu estas situações, que se altere a lei e seja menos branda com estas situações. Agora, depois do mal estar feito, estão emitidos mandatos de captura. Mas agora já vamos tarde.

O que aconteceu não é apenas um foragido à Justiça, o que aliás existe em vários países do Mundo. O que se passa é que estes casos minam a confiança das pessoas na democracia e nas suas várias instituições.

Num outro caso que bem conhecemos um arguido alega não poder ir a tribunal por causa da idade, da pandemia, etc. E depois ausenta-se do país para férias no estrangeiro. Se isto é legal? Dizem-me que sim. Se faz sentido? Nenhum, para qualquer pessoa de bom senso.

O caso de João Rendeiro mina a confiança das pessoas no seu país e deveria ter merecido uma palavra do presidente da República que, à hora a que escrevo este artigo, apenas tinha comentado que isto é um caso de Justiça e por isso não comenta. Ora, eu não quero um Presidente para comentar – como fez – um jogo da Seleção portuguesa de futebol no Europeu, ao intervalo. Eu gostava de ter um presidente que nos desse uma palavra de alento e que com a sua “magistratura de influência” (e logo ele, com vasta formação jurídica) ajudasse os diversos atores a prevenirem melhor na lei qualquer hipótese de episódios destes se repetirem.

Portugal foi vexado. Rendeiro está a rir-se de uma nação inteira.