Crónicas

Vazio da Alma

A Vida passa num instante e nada substitui o Tempo e os Momentos. Sim, com letra maiúscula. Tentem ir atrás do que vos faz feliz e menos do que os outros preconizaram para vocês

Não é de agora. Mas todo este ano verdadeiramente atípico que estamos a viver veio acentuar. O vazio da Alma. A importância que damos à vida. O que procuramos e nos faz falta, o que é realmente importante versus o que nos massaja o ego e nos permite não pensar, esquecer, passar por cima. Parece-me ser do senso comum assumir que nos dias que correm, vivemos contra a corrente da natureza e do que por consequência é a nossa essência. Trocámos as prioridades e deixámo-nos levar por esta selvagem necessidade de mostrar, de sermos aceites e valorizados pelos outros. Ultrapassar o crivo da sociedade. Isso leva-nos a tomar atitudes que muitas das vezes vão no sentido oposto ao que representa o nosso preenchimento pessoal. Aquilo que realmente conta, a nossa satisfação, o nosso bem estar. E não é por isso raro de ver pessoas que chegam a uma determinada idade e dão conta, tarde demais, que o bem mais precioso que temos (o tempo) não volta para trás e que muito do que foi feito, representou uma atenção excessiva para minudências supérfluas que no final das contas não nos deixarão completamente cheios. Inteiros. Falo de satisfação.

É por isso que um amigo que muito prezo e que tem um Eco resort numa das idílicas ilhas Bijagós me confessava ter cada vez mais procura nos seus retiros e campos de treino precisamente por pessoas que necessitam de se encontrar. Que perderam o sentido da vida ou que não lhe encontram motivação, que precisam de desligar e de se permitirem um regresso às origens, ao orgânico e intenso cheiro da terra. Nós vemos isso um pouco por toda a parte. Não será novidade para ninguém. É alias desse hiato que resulta todo o oportunismo desta nova enxurrada de Coaches, da moda do PNL que promete uma autodescoberta, dar um novo sentido à vida, na gestão de emoções e no encontrar de soluções milagrosas para os problemas que residem no nosso mais profundo âmago. O problema é que enquanto alguns têm de facto estudos e ferramentas para isso, a grande maioria são apenas autênticos vendedores da banha da cobra do século XXI, pessoas que têm no seu currículo e no seu exemplo a antítese de tudo o que tentam passar aos outros mas que, não sabendo fazer mais nada partem para a tentativa de enganar ensinando-lhes o que a eles próprios lhes falta. Vida. Mundo. Experiência. Noção do que os rodeia.

Esta semana ao almoço discutíamos isso e alguém me disse que não devia nada à Vida. Que se sentia preenchido e que quando olhava para trás tinha muito boas histórias para contar e que queria continuar a colecioná-las sem que a idade fosse um impeditivo. A grande maioria não é infelizmente assim. Afundam-se no trabalho como forma de subir na sociedade até a um ponto que nada mais parece interessar. Necessidade de se ser reconhecido pelos outros ao ponto de se tornar uma obsessão castrando essa coisa maravilhosa e que parece cada vez mais desalinhada com os interesses de cada um, que designamos por Viver. Depois refugiam-se em telemóveis e carros, nas pantufas para o cão e na camisola do gato. Qualquer coisa que lhes transmita uma ilusória sensação de saciedade. Uma mentira que arrasta tantos para o desespero, para a depressão e o sofrimento.

Num Mundo de necessidades aparentes perdemo-nos no que é fútil e prescindível, muitas vezes tentando encontrar nos bens materiais o que perdemos na construção da nossa profundidade. É por isso tão importante termos experiências que nos tragam de volta, que nos preencham e façam felizes. Só o encontraremos quando nos dermos a oportunidade de nos despojarmos dessa calcificação emocional e nos permitirmos encontrar valor nas coisas mais simples, no que faz parte de nós. Muitas vezes tendemos a complicar o que temos de mais real. A Vida passa num instante e nada substitui o Tempo e os Momentos. Sim, com letra maiúscula. Tentem ir atrás do que vos faz feliz e menos do que os outros preconizaram para vocês. Encontrar uma razão, um motivo. A paz interior que vos desvie do vazio da Alma. Não há nada mais triste e enganador que esse vazio e não há dinheiro ou bem algum no Mundo que o consiga enganar. Quando tanto se fala de inclusão ser inclusivo com a natureza é a demonstração de que viver vale mesmo a pena mesmo que tudo pareça por vezes indicar o contrário…

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