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Uma tragédia sem rosto

É uma autêntica teia de ligações sem rosto e sem rasto, enquanto impera uma cultura de impunidade

Em agosto de 2014, depois de todas as manobras ocultas da instituição bancária, o Banco de Portugal anunciava a resolução do BES, que atirava os credores para um processo de liquidação absolutamente vazio, face ao desvio impiedoso de todos os seus ativos para uma nova entidade que continua a absorver dinheiro dos contribuintes portugueses, de todas as formas. Depois da injeção inicial de 4900 milhões de euros no Novo Banco, seguiram-se capitalizações adicionais de 2976 milhões de euros.

Seis anos depois do colapso do BES, continuam a surgir notícias que evidenciam o desastre que tem sido a gestão deste dossier, agora também na venda de ativos de um Novo Banco mau. O Fundo de Resolução gerido pelo Banco de Portugal, com pessoas nomeadas pelo Ministério das Finanças, terá validado operações de venda de pacotes de imóveis com descontos, nalguns casos de 80%, com perdas diretas na ordem dos 380 milhões de euros, isto numa altura em que o mercado imobiliário estava no auge. Apesar da direção de compliance ter dado parecer desfavorável à escolha do intermediário para assessorar a venda de uma carteira de ativos imobiliários, a operação prosseguiu e foram vendidos cerca de 13 mil imóveis a um fundo anónimo, a que o Novo Banco terá ainda concedido crédito, tendo, depois, recebido a compensação do Estado pelas perdas.

Ninguém sabe quem são os compradores, os beneficiários, ou seja, os verdadeiros proprietários dos imóveis que foram, logo de seguida, colocados no mercado ao dobro do preço. Não se escrutinaram eventuais relações perigosas ou situações de conflito de interesses. E nada bate certo. É uma autêntica teia de ligações sem rosto e sem rasto, enquanto impera uma cultura de impunidade, de desprezo e de falta de transparência que continua a prejudicar todos os portugueses. Sabe-se agora que metade das perdas do banco registaram-se já depois da sua venda ao fundo norte-americano Lone Star. O Novo Banco recebe a compensação do Estado por essas perdas. Uma verdadeira tragédia em vários atos. Desde as manobras que levaram ao colapso do BES, passando pela sua resolução seletiva, à venda e gestão do Novo Banco e liquidação obscura dos seus ativos. Tudo corre mal. E pagam sempre os mesmos: os Portugueses.

E, no meio desta irresponsabilidade, o Estado sorri, enquanto continua a ignorar e a prolongar o longo calvário de todos aqueles que perderam verdadeiramente, numa Banca travestida que os levou a aplicar as suas poupanças em produtos cuja toxicidade desconheciam em absoluto. Não é assim que vamos estar preparados para enfrentar os desafios do futuro, numa altura em que o que deveríamos fazer era reforçar as obrigações de responsabilidade, rigor, sustentabilidade, confiança, justiça e transparência. Não nos podemos conformar com aquilo a que Vicente Jorge Silva, muito assertivamente, chamou “festivo faroeste lusitano” - e, neste momento da sua partida, do Vicente Jorge Silva guardo, ainda, para além de tudo, a recordação simples daquele simpático e feliz abraço ao meu filho, também Vicente, num inesperado e agradável encontro que o sempre carismático Gavião Novo nos proporcionou.

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