Para os sem vergonha na cara

Sábado, 29 de agosto de 2020.

Uma tarde de verão.

Tinha combinado uma ida ao café com as minhas amigas. Seria uma tarde passada a conversar e a rir, como fazemos sempre. Era para ser um dia feliz.

O café nem estava cheio nem estava vazio. Tinha pessoas de diversas idades. Ao nosso lado, um senhor. Devia estar prestes ou já na casa dos quarenta anos. Ele estava sozinho e na minha direção.

Passado um tempo, notei que esse senhor estava constantemente a olhar para a minha mesa. No início, fiquei calada. Não queria alertar nem gerar preocupação desnecessária às minhas amigas, até porque podia ser apenas da minha cabeça. – Quem me dera que fosse. – Como se não bastasse o seu olhar persistente e asqueroso para me deixar suficientemente perturbada, ele mostrava ainda a sua parte íntima. Juntava-se aqui a sua cara de satisfação, quando se apercebeu de que eu já tinha dado conta do que estava a acontecer.

Perante aquele cenário, eu queria ter tido de verdade a capacidade de o rebaixar em público, mas não consegui. Faltou-me a coragem e a força. Limitei-me a avisar as minhas amigas e a mudar de mesa. Atitude errada, eu sei. Mas o medo de sair daquele café e da hipótese de ele nos seguir e acontecer o pior não nos saía da cabeça.

Pânico, nojo, náuseas, humilhação e desconforto. Era o que estava a sentir naquele momento. Pela primeira vez na vida, tinha sentido na pele o que pensava que nunca me iria acontecer. Realmente, achamos sempre que estamos preparados para nos defender, que basta fazer um escândalo, até passarmos pelo mesmo e percebermos que, afinal, isso não chega.

Hoje foi “só” um olhar incessante e um comportamento que – apesar de não me ter chegado a agarrar (não sendo, por isso, justificável o que ele fez) – mudou radicalmente o meu ser, para sempre; amanhã, quem sabe, não será ele capaz de fazer algo pior a outro alguém.

Escrevo não só para testemunhar o que me aconteceu, mas também para vos dizer que a luta pelos direitos das mulheres tem de continuar. Deve. É sobre isto que temos de falar. Porque não é normal, em plena luz do dia, isto acontecer; nem é normal o mesmo acontecer à noite. São assuntos como este que nos escapam diariamente pelas mãos, deixando-nos levar por outros que não têm qualquer importância. Enquanto ainda houver situações destas a decorrer na nossa sociedade e enquanto houver desigualdade, seja de género, seja racial ou seja de que tipo for, nunca teremos a paz que gostaríamos de ter. Até lá, continuamos a lutar.

Beatriz Faria

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