Artigos

Embora haja tanto desencontro...

O Papa Francisco, na Encíclica Fratelli tutti apresentada neste último domingo, cita o Samba da Bênção, de Vinícius de Morais, ao incentivar a cultura do encontro: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”.

Com elevado tom político, o Papa Francisco aponta o vírus mais difícil de derrotar: a lógica capitalista em que assentam os regimes e as regras existentes na organização das sociedades. E sem filtros, afirma que o neoliberalismo não é a única via. Para resolver os problemas que nos afetam, como a presente epidemia tornou ainda mais evidente, “se alguém pensa que se tratava apenas de fazer funcionar melhor o que já fazíamos, ou que a única lição a tirar é que devemos melhorar os sistemas e regras já existentes, está a negar a realidade”.

Ao contrário dos muros que segregam e dividem estruturalmente as sociedades, denunciando os propagadores da “cultura dos muros”, que os vê como uma ameaça, profetiza o Papa Francisco: “quem constrói um muro, acabará escravo dentro dos muros que construiu, sem horizontes”.

Perante tanto desencontro na vida, ante tanta miséria e face à galopante pobreza, diante de tão fundas desigualdades e injustiças sociais, perante tamanha negação do direito de todo ser humano de viver “com dignidade e desenvolver-se plenamente”, em contraposição, precisamos de uma alternativa política, importa iniciar novas respostas económicas e construir estruturas sociais alternativas.

Conforme escreveu o pontífice, “a fragilidade dos sistemas mundiais perante a pandemia evidenciou que nem tudo se resolve com a liberdade de mercado e que, além de reabilitar uma política saudável que não esteja sujeita aos ditames das finanças, devemos voltar a pôr a dignidade humana no centro e sobre este pilar devem ser construídas as estruturas sociais alternativas de que precisamos”.

Aceitando o desafio de sonhar e pensar em outra humanidade, convicto de que é possível “um planeta que assegure terra, teto e trabalho para todos”, são apontadas as bases para o novo rumo que é urgente concretizar: “O desenvolvimento não deve orientar-se para a acumulação sempre maior de poucos, mas há de assegurar os direitos humanos, pessoais e sociais, econômicos e políticos, incluindo os direitos das nações e dos povos. O direito de alguns à liberdade de empresa ou de mercado não pode estar acima dos direitos dos povos e da dignidade dos pobres; nem acima do respeito pelo ambiente, pois quem possui uma parte é apenas para a administrar em benefício de todos”, escreve Francisco.

Fechar Menu