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Sopa engomada e caldo da romaria

A culinária - ou a gastronomia, como quiserem chamar - parece que está na moda. Pelo menos é o que transparece pela quantidade de concursos, festivais e outros eventos que se verificam um pouco por todo o lado. Então nas televisões, há para todos os gostos. Alguns mais parecem publicidade a determinadas marcas, mas isso não interessa, alguém tem de pagar os custos.

Por cá, como não podia deixar de ser, também se vai seguindo a moda e vão aparecendo alguns eventos interessantes, que procuram valorizar os “pratos” tradicionais da região.

Foi a propósito desses eventos que a conversa um dia destes foi parar a “comeres de antigamente”, como dizia a Ferrugem. A mulher, que fazia parte do grupo nesse dia, já tem uma certa idade (perto de oitenta), mas sempre foi uma excelente cozinheira, até dava dias fora a cozinhar, em festas, “Espíritos Santo”, casamentos, batizados.

O emproado do Adélo foi o primeiro a ir buscar à memória um caldo da romaria que tinha comido há muitos anos no Galeão, em São Vicente. Diz ele que foi feito pelo maior especialista a confecionar esse prato, um tal José.

- Ah! Mas isso era só em dias de festa, ou nas oitavas, quando havia uns ossinhos de vaca - esclarece o Farrobo. - O normal era uma sopa com coisas da fazenda, a carne era de porco, quando havia, e...

Interrompe a Ferrugem:

- Uma sopa engomada, aquilo é que era! A gente metia a colher e ela aguentava-se de pé.

- Olha - diz a Costureira - lembro uma vez, há mais de 30 anos, que fui ao Seixal com uma amiga e um senhor que ela conhecia convidou-nos para jantar com ele. Mas antes de aceitarmos o convite, o homenzinho, que vivia só e já tinha seguramente uns setenta, avisou: “Olhem meninas, é sopa de couve com carne de cabra curada ao sol e foi que fiz, eu é que faço o meu comer e tudo em casa”, fez questão de frisar. Olhamos uma para a outra, como quem ficou na dúvida se iria gostar ou não. Lembro-me como se fosse hoje. Fomos os três para a mesa, a panela ao centro, um prato e uma colher a cada e um pouco a medo começamos a provar. Estava simplesmente uma maravilha. Tanto que hoje ainda falamos disso. Ah! e foi acompanhada com um copo de vinho jaqué.

- Olha - diz o Ginjinha - uma receita boa para levares este ano à feira das sopas a Boaventura...

- Não é má ideia. - diz o emproado - Mas já não dá tempo a matar a cabra e curar a carne. E arranjar quem saiba fazer isso, ainda há?