Artigos

Vencer a batalha contra a fome e a miséria

Devemos permanecer vigilantes face ao “problema da fome”, consultando vários indicadores

A fome é um grave problema. De acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), cerca de 795 milhões de pessoas sofriam de subnutrição em 2015. A maioria dessas pessoas vive em países em desenvolvimento, principalmente na Ásia e em África. Nesses países, é frequentemente nas zonas rurais que a população é mais afectada pela fome.

O Papa Francisco pediu a todos os governos do mundo que criem as condições para que as populações rurais mais pobres possam vencer na batalha contra a fome e a miséria. “Estar empenhado nesta luta é essencial para que possamos escutar não como um slogan, mas sim de verdade. A fome não tem presente nem futuro, só passado”, referiu o Papa, no Vaticano, na inauguração da reunião do Conselho de Governadores do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA), convidando a “fomentar uma “ciência com consciência”, para que a tecnologia seja realmente usada ao serviço dos pobres” e que para as novas tecnologias não se entreponham às culturas locais nem aos conhecimentos tradicionais, mas sim que sejam complementares.

As iniciativas a nível internacional são essenciais para a coordenação. O Papa Francisco escreveu, a este propósito: “o problema é que não dispomos ainda da cultura necessária para enfrentar esta crise e há necessidade de construir lideranças que tracem caminhos, procurando dar respostas às necessidades das gerações actuais, todos incluídos, sem prejudicar as gerações futuras [...]. Preocupa a fraqueza da reacção política internacional.” É mais necessária que nunca uma acção internacional para equilibrar as políticas comerciais, em particular para permitir que os países menos desenvolvidos reforcem os seus sectores agrícolas, para regular a pesca em alto mar, para que todos possam beneficiar, em vez de alguns, poucos Estados com frotas adequadas. É importante lembrar que a acção a nível internacional deve ser orientada pelo princípio da subsidiariedade, prestando auxílio a cada país de acordo com as necessidades, sem os substituir desnecessariamente no que está ao alcance da sua própria iniciativa.

Devemos permanecer vigilantes face ao “problema da fome”, consultando vários indicadores, tal como a disponibilidade local dos alimentos, preços aos níveis local e mundial, doenças e desastres naturais que possam afectar a produção específica de uma região ou cultura, mudanças nas preferências ou necessidades dos clientes, e práticas irregulares de alguns intervenientes no mercado, especialmente no que se refere à especulação. Devemos também antecipar e reagir a qualquer declínio preocupante dos factores ambientais que afectem a produção de alimentos, tais como a biodiversidade, a fertilidade dos solos, as reservas de água, as condições climáticas e os recursos pesqueiros nos oceanos. Ao mesmo tempo, a vigilância desses indicadores só dará frutos se abordarmos também o “grande desafio cultural, espiritual e educativo que implicará longos processos de regeneração. Esta,” será, na minha opinião, a melhor estratégia de longo prazo.

A nível pessoal, é preciso ter cuidado para não desperdiçar comida e para comprar, tanto quanto possível, bens alimentares que sejam produzidos respeitando o meio ambiente e que permitam aos trabalhadores o salário justo e o respeito merecido. O reconhecimento de que o alimento não é apenas o fruto do trabalho do homem, mas também um dom da providência divina, ajudar-nos-á a ter mais cuidado para evitar o desperdício de uma forma mais ampla, os cidadãos podem encontrar, na sua fé e na sua espiritualidade, “motivações altas para cuidar da natureza e dos irmãos mais frágeis”.

A nível social, as várias organizações da sociedade civil e as pessoas individualmente consideradas devem monitorizar as acções das suas autoridades governamentais, para que as leis e políticas sirvam realmente o bem comum. Por exemplo, as autoridades devem evitar acordos de intercâmbio que piorem a situação dos países agrícolas pobres, e não devem promover a utilização de alimentos como biocombustíveis se isso afectar a segurança alimentar.

Por último, não posso deixar de manifestar o importante papel da Igreja no combate à fome e à miséria. Ninguém ignora que a Igreja manifestou sempre uma preocupação pelos famintos e pelos produtores de géneros alimentícios. As instituições da Igreja estão na linha da frente no combate à fome e do desenvolvimento das comunidades rurais através da formação, assistência jurídica e fornecimento de materiais e crédito.

A nível internacional, a Santa Sé e os Papas pediam repetidamente, e continuam a pedir, aos Estados que se esforcem por resolver de forma responsável o flagelo da fome. Denunciaram com particular insistência o “paradoxo da abundância”, referindo-se aos países com recursos naturais abundantes que exibem uma pobreza incrível. Também condenam o desperdício de alimentos e o uso de alimentos como uma arma contra pessoas inocentes. Além disso, várias associações católicas estabelecem diálogos com o sector privado, encorajando-o a melhorar continuamente o seu desempenho em termos ecológicos, fiscais e sociais.

Termino, lembrando as palavras de D. José Traquina, presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana, na Mensagem que assinalou a Semana Nacional da Cáritas: “Formamos, na verdade, uma só família humana. Reconhecermo-nos todos como irmãos permite interrogar-nos, para lá de eventuais preconceitos, sobre as reais condições de vida desta família que somos”.