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Polícia francesa aplica tolerância zero no protesto de sábado dos coletes amarelos

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O mote da polícia francesa para a próxima manifestação dos “coletes amarelos”, após a violência de sábado, é “tolerância zero”, estratégia que pode não chegar para conter os manifestantes caso continue a desordem das forças de segurança, estimam especialistas.

Este sábado será a prova de fogo para o Governo francês.

Depois dos desacatos do sábado passado nos Campos Elísios, com 80 lojas destruídas e algumas completamente pilhadas, incêndios e barricadas nas ruas, o primeiro-ministro, Édouard Philippe, anunciou a proibição de manifestações na principal avenida da capital francesa, mas também noutras zonas nobres da cidade.

Já o ministro do Interior, depois de demitir vários altos postos da polícia, afirmou que a ação policial será pautada pela “tolerância zero”.

“Senhor chefe da polícia de Paris, eu peço-lhe impunidade zero. O lugar dos ‘black blocs’ [manifestantes violentos] é na prisão, não nos Campos Elísios”, disse Castaner na quinta-feira, durante a tomada de posse do novo líder da polícia parisiense, Didier Lallement.

O governante acrescentou ainda que a doutrina da manutenção da ordem evoluiu agora para uma estratégia de “mobilidade, contacto, reatividade e detenção”.

No entanto, para especialistas das forças da ordem em França, esta mudança de perfis e de estratégia pode não chegar.

“O sistema da manutenção da ordem em França está em crise há alguns anos. Houve uma mudança de estratégia da polícia que começou ainda antes dos ‘coletes amarelos’ e que passou a ser muito mais ofensiva. Até aí, tínhamos táticas especializadas para lutar contra a delinquência, mas usadas apenas nos bairros à volta de Paris”, disse Vincent Denis, professor de História Moderna na Universidade Paris 1 - Panthéon-Sorbonne e especialista na história da polícia, em declarações à agência Lusa.

Ainda segundo Vincent Denis, a França tem “uma longa tradição na manutenção da ordem” por ser “o país das revoluções e das manifestações”, tendo esta especialização levado à criação de duas forças de intervenção neste quadro: a Gendarmerie Mobile, que pertence ao Exército, e as Compagnies Républicaines de Sécurité (conhecidas simplesmente como CRS) que pertencem à polícia.

Terá sido o medo dos primeiros sábados de violência que levou a polícia “a pôr todas as suas capacidades na rua”, incluindo “chamar agentes não especializados em manifestações a comandar operações nos Campos Elísios”, esclareceu o académico.

Com a diminuição do número de manifestantes, a polícia acabou por “aligeirar” a sua ação no sábado passado, deixando espaço às cenas de delinquência na capital, considerou.

“A desorganização da polícia no sábado passado e durante as últimas semanas é gritante”, afirmou Alain Bauer, professor de criminologia no Conservatoire National des Arts et Métiers e antigo conselheiro do Presidente Nicolas Sarkozy para a segurança, à agência Lusa.

Para Bauer, quanto mais tempo de manifestações, mais o movimento dos coletes amarelos se radicaliza, o que deve levar a uma “resposta autoritária” por parte das forças da ordem.

O especialista em segurança considera ainda que a manifestação do passado sábado foi marcada pelo fim do Grande Debate, resposta de Emmanuel Macron às exigências do movimento dos coletes amarelos e que abriu o debate em França sobre mudanças para o futuro.

No entanto, alerta, o protesto deste sábado será algo “diferente”.

Para além da mudança na estratégia e atitude da polícia, as autoridades francesas mobilizaram militares da operação antiterrorista “Sentinela” para defender os edifícios públicos como ministérios, libertando assim agentes para o reforço da segurança noutros sítios. A utilização de drones durante as manifestações está também a ser estudada.

Neste sábado, os coletes amarelos estão a organizar-se nas redes sociais para uma ocupação do Trocadero, em frente à Torre Eiffel, e junto do 16.º bairro, um dos mais exclusivos de Paris, onde, até agora, só aconteceram pequenas manifestações pontuais.

E para responder a mais uma mobilização, Vincent Denis considera que a polícia vai voltar a pôr na rua “todos os meios à sua disposição”.

“Penso que vão voltar a usar um grande dispositivo de segurança, com muita polícia. Voltamos um pouco ao que aconteceu no início das manifestações, depois das primeiras violências”, concluiu, receando que uma posição de força da polícia possa gerar mais feridos tanto do lado dos manifestantes, como do lado da polícia.