Crónicas

Resistência, o bella ciao!

É a consciência moral que serve de alimento a essa resistência que está em vias de extinção quando pactuamos com o absurdo, silenciamos o voto de protesto contra mentirosos, contra aspirantes a heróis de “filmes” de segunda categoria

São os valores que aprendemos desde o berço que definem os carácteres. Ensinamentos preciosos que à medida que vamos crescendo, começam a fazer parte da corrente sanguínea que nos mantém ligados a tudo o que nos rodeia. São esses valores morais que nos sustentam nas decisões que tomamos, nos juízos de valor que fazemos, nos caminhos que traçamos. Nesse trilho evolutivo, apreendemos outros valores que se enquadram na nossa consciência, na nossa moral e na nossa forma de ver e de estar na vida.

É a dimensão dessas mesmas referências que vão ditar o quão resistentes poderemos ser perante as adversidades, as tentações e as ambições que nos batem à porta diariamente.

Num mundo em que é tão fácil deixar-se seduzir por promessas que nos levam a acreditar que o paraíso está à mão de semear, há que perguntar o quão resistentes são os valores que cada um carrega dentro de si?

Nesta época do facilitismo e da ganância, será que é tão fácil abrir mão desse punhado de exigências pessoais que formam o carácter? Até que ponto as pessoas estão dispostas a mentir, ocultar, trair a sua própria consciência em prol de pressões, estratégias, ódios e escaladas impressionantes que não olham a meios para atingir os fins?

O “conhece-te a ti mesmo” é constantemente adiado em prol de outra coisa qualquer, mais urgente, mais imediata, mais vistosa. Porque realmente é isso que interessa a muitos: fazer enormes espetáculos com fogos-fátuos que tão depressa impressionam, como desaparecem, iludindo, enganando e oferecendo momentos de representação teatral cujo objetivo é convencer que aquele truque é ou poderá ser uma realidade.

Nessa demanda frenética de nos agarrarmos a tudo aquilo que corresponde às nossas expetativas, sem pensar e sem questionar, surgem as falsas esperanças que, mais tarde ou mais cedo, irão conduzir-nos à desilusão. As pancadinhas nas costas, as palavrinhas mansas são tão eficazes como o canto das sereias descrito por Homero.

De que massa passamos a ser feitos quando decidimos pactuar com cortinas de ferro, onde impera o silêncio sobre determinados assuntos, como se tivéssemos feito um pacto de sangue para não falar, não criticar, não pensar?

E se ignorarmos aquilo que nos define, então o que nos resta?

Resistir a estes logros nos tempos que correm requer uma boa dose de autoconfiança, de fé nos tais valores alegadamente inquebráveis e na esperança de que a verticalidade de carácter pode abanar, mas não chega a vergar.

É a consciência moral que serve de alimento a essa resistência que está em vias de extinção quando pactuamos com o absurdo, silenciamos o voto de protesto contra mentirosos, contra aspirantes a heróis de “filmes” de segunda categoria. São os valores que tendem a desaparecer quando nos mantemos imóveis perante aqueles que nos mentem descaradamente, brincam com os nossos sentimentos, vergam o nosso carácter, regozijam-se com o poder que lhes concedemos para que nos transformem em figurantes sem voz ativa, mas de corpo presente.

Até que ponto podemos resistir e manter as nossas convicções quando nos acenam com um valor a receber, calculado através da base implacável do comodismo e do facilitismo?

Ceder à subjugação daqueles que nos consideram uma ameaça às suas pretensões porque falamos, pensamos, descobrimos e apontamos, é deixar que esse outro se apodere da nossa alma, esvazie os nossos instintos, comande as nossas vontades.

Ser um acérrimo defensor da resistência nos tempos de hoje é ter uma guilhotina prestes a cair a qualquer momento. A velha máxima do “ou estás comigo ou estás contra mim”, nunca fez tanto sentido como agora. É imperdoável pensar pela própria cabeça e atrever-se a colocar o dedo nas feridas expostas. O que interessa é cicatrizar bem depressa para que ninguém se lembre que um dia essas feridas estiveram abertas, num corpo que se quer falsamente imaculado, perfeito...

“Bem prega Frei Tomás” quando o triste, arrebatado pela vontade de sobressair a qualquer custo, empenhado em arrebanhar seguidores, cai numa desprezível amnésia que o impede de perceber o quão ridículo é estar a jogar pedras para o telhado dos outros, quando vive numa casa de cristal.

As manobras de diversão que acabam sempre por girar em torno do roto, do nu, do sujo e do mal lavado são cada vez mais frequentes. É preciso discernimento para descobrir a careca do tal Frei Tomás que tem tanto de santo, como o orgulhoso Satanás que caiu por vaidade...

Resistir é preciso. Resistência é necessária!

«È questo il fiore del partigiano

o bella ciao, bella ciao, bella ciao ciao ciao,

È questo il fiore del partigiano

Morto per la libertà.»

Se ignorarmos aquilo que nos define, então o que nos resta?