Crónicas

Carta aberta a António Costa

1. Livro: nasceu com o título de “Ilhéus”, nome que a ditadura lhe impôs, mas logo que veio a liberdade reeditou-se com o seu nome original “Canga”. Esta obra maior de Horácio Bento de Gouveia devia ser de leitura obrigatória. “Canga” é a memória de um tempo que já lá vai. Onde o sofrimento dos nossos era enorme. Vidas vividas sob um feudalismo onde verdadeiros servos da gleba serviam o seu senhor, dando-lhe a metade de tudo o que a força do seu trabalho produzia. A ler, para nos conhecermos melhor.

2. Disco: ou melhor música. Entre nós, vive um génio da música. Pessoa simples como só os grandes conseguem ser. Tem composto verdadeiras obras-primas para filmes, anúncios, jogos, etc.. “Requiem para Inês de Castro” é uma obra maior da música contemporânea portuguesa. “Integration I” é puro prazer auditivo. E só estou a destacar duas obras do autor. Pedro Macedo Camacho é um nome a fixar. Um nome a apoiar, ouvindo-o. A maior parte das suas obras estão no seu canal do Youtube. Procurem pelo seu nome que é fácil lá chegar. E ouçam-no. Muitas e muitas vezes.

3. 13 de Novembro é o dia dos anos da minha mãe, e apeteciam-me, hoje, músicos de rua que lhe celebrassem o riso. Brindo, então, à casa vazia. Ao inconformismo. Ao momento. Celebro a palavra que amavas. Os picos e as levadas. O copo bem alto a derramar o vinho em nós. Beijo...

4. E a pouca vergonha do que se fez com a Escola do Curral das Freiras começa a ter honras de caso nacional. Ele é no “Público”, no “Governo Sombra” da TSF, no noticiário nacional da TVI, nas redes sociais. Só não tenho vergonha alheia porque os autores desta coisa nem isso merecem.

5. CARTA ABERTA A ANTÓNIO COSTA

Meu caro António Costa,

Eu cá nunca apoiei este governo. Nem antes nem depois de ele existir. Mas, também, nunca acreditei no Diabo. Sou como os espanhóis, “que los hay, los hay”. Os partidos tradicionais, graças a Deus, estão a desaparecer e que com eles desapareça a partidocracia que, desde Abril, nos trouxe até aqui. Consegue imaginar onde estaríamos sem parte da gente que nos governou? Eu consigo. E alguns até eram bons e bem-intencionados. Mas eram poucos e facilmente devoráveis. É verdade, as pessoas já deitam o sistema pelas orelhas, de tão insuportável que ele se tornou.

Sabe meu caro, eu que não o suporto (ao governo claro) também não suporto que todos os dias me roubem liberdade. Liberdade de fazer o que me apetecer em termos políticos, económicos e sociais. Sim, eu sei dessa coisa de que “a minha liberdade acaba onde começa a liberdade do outro”, mas o que me lixa é ser o Estado que decida onde começa a minha e termina a do outro.

Como o seu “camarada Alegre”, também eu sinto a minha liberdade pessoal ameaçada. Todos os dias e há muito tempo. Não é verdade que aquele “que lo hay” se esconda nos detalhes. É tudo feito com o maior dos descaramentos: uma justiça que funciona mal e é demorada, a corrupção que anda em todo o lado, uma partidocracia que decide em causa própria, os deputados que aldrabam as residências e assinam uns pelos outros, as promessas que se fazem e desfazem, com todo o desplante, como se fossemos todos idiotas desprovidos de memória, etc..

Eu cá gosto de civilização. E entendo que a mesma só se pode atingir com gente civilizada. Na carta que o seu “camarada” Alegre lhe escreveu esqueceu-se de referir, quando fala do fundamentalismo do politicamente correcto, de que culturalmente a violência doméstica, a excisão feminina, os ordenados diferenciados para homens e mulheres, as relampadas nos putos quando se portam mal, são algumas tradições com profundas marcas civilizacionais.

Eu, liberal confesso e muito dado às coisas da liberdade, consigo perceber perfeitamente, e neste caso, o Princípio do Dano. Causar sofrimento sem qualquer justificação é sinónimo de autoritarismo e prepotência. Seja em relação ao que for.

Ver uns gajos vestidos de lantejoulas, dentro de collants justinhos, a enfiarem paus com um arpão num animal, não me parece bem. Então aqueles que vão a cavalo, a quem cortam as cordas vocais para não chamarem a atenção à fera negra, ainda gosto menos. Espetam farpas nos bois e fazem cara de valentes.

A única coisa com um pouco de dignidade que vejo numa tourada é a pega. Pelo menos é uma coisa cara a cara e sem porcarias para espetar no pobre do bicho. Só lhe tirava era a protecção dos cornos. A ver se eles lá iam.

Meu caro António Costa, eu que nunca o apoiei nem faço intenções de apoiar, quero só que tenha em conta que ser civilizado é também retirar a barbárie da civilização.

Se, depois disto, eles quiserem correr uns atrás dos outros com espetos na mão a se picarem nas costas, deixá-los mais os fatinhos e as capinhas e os tricórnios e essas coisas de que gostam. Magoar o animal, pelo prazer que isso dá a alguns, é que não.

Eu, às vezes, também sou pateta... e alegre, mas não me refugio na civilização e na liberdade para me justificar de barbarismos.

Isso é cobardia!

6. Quer dizer, o Magano, perdão, o Silvano não pediu a ninguém que lhe marcasse a presença. No entanto a Emília, ao que parece muito próxima do dito cujo, sabia-lhe a password de cor e registava-o sem que ele pedisse. É isto, não é?

Cá para mim, o Silvano quando dorme fala em voz alta!

Um gajo pergunta-se: e é só o Silvano?

E, depois, por causa do silêncio que vem dos lados da Assembleia da República onde ninguém de nenhum outro partido comenta, faz-se luz e um gajo vê a resposta.

“Ich weiss nicht was sie sagen”. Ninguém, naquela santa casa, sabe do que dizem. É tudo a assobiar para o ar como se de nada soubessem.

7. Por cá, Paulo Cafôfo reagiu ao caso Silvano com um poste no Facebook. Mas acertou ao lado. Bem prega Frei Tomás. Ele que, em quinze dias, passou do cumprir o mandado na Câmara até ao fim, a não cumprir por ser candidato do PS à Presidência do Governo. É que estas coisas também desprestigiam a política e dão cabo da ética republicana de pôr a verdade acima de tudo.

8. O Bloco de Esquerda reuniu-se em Convenção no Pavilhão do Casal Ventoso... perdão, Vistoso. Foi uma festa.

Das citações do Toy Story, por parte do Avô Cantigas do partido, até ao surreal momento em que Pedro Filipe Soares se dirige aos seus apaniguados com um sonoro “camaradas e camarades”, houve de tudo. Se o ridículo matasse tinha caído um raio em cima do pobre do pavilhão que, neste fim-de-semana, tão pouco vistoso foi.

Assumiram-se como partido de poder e deixaram o radicalismo de lado, aprendendo a pedir “se faz favor”. Ou seja, se alguma piada podiam ter por irreverentes perderam-na toda. As causas fracturantes que se lixem, as linhas vermelhas que mudem de cor que vem aí o Bloquinho deslumbrado pela possibilidade de ter uns ministeriáveis.

9. “O facto de que muitos políticos de sucesso são mentirosos não é exclusivamente reflexo da classe política. É também um reflexo do eleitorado. Quando as pessoas querem o impossível, somente os mentirosos podem satisfazê-las.” - Thomas Sowell