Política não é Profissão
“Se eu não fosse capaz de ter outros interesses, outra vida, criar outras possibilidades, estava destruído como homem” disse um dia Francisco Sá Carneiro. E é efetivamente assim. Todo o percurso humano deve assentar numa construção pessoal permanente, constante e contínua, ampla, sustentável, sólida e serena, séria, sóbria e responsável, que reforce permanentemente valências e competências, que assegure conhecimento, vivências e convivências humildes, que apure instintos e que confira a responsabilidade e a independência necessárias para, sempre de uma forma astuta, hábil e muito inteligente, não deixar de se dizer o que se pensa e de se fazer o que se entende que é certo, com força e com carácter, com brio, com coragem e determinação, para além das teias poeirentas e das correntes instaladas por manipuladores egoístas que castram e que apenas se mantêm à custa de jogos e de aparências de poder, da obediência interessada e das dependências frágeis de uns imbecis, impotentes e apáticos seguidistas de ocasião, que chegam mesmo a aplaudir pateticamente a crítica lançada sobre si próprios e que hipotecam princípios fundamentais a troco de lugares e de carreiras sem chama e sem fulgor que os entretêm e paralisam, algumas vezes apenas hipnotizados pela ilusão de estar perto do poder. Pobres os que, em cada momento, apenas se deixam levar por quem acham que manda. Diz o povo sábio: “há sempre mais marés do que marinheiros”.
A verdadeira política é superior e não dispensa algo maior. É verdade que há sempre os que lideram e os que são liderados, é natural, não tenhamos ilusões, mas a força verdadeira da liderança e do coletivo só pode vir do compromisso, do respeito e da lealdade que une e que não depende de interesses egoístas imediatos. Infelizmente abundam os abutres esfomeados, os mortos e os embalsamados, ressuscitados para voltar a morrer no meio de pássaros sem asas que só contam porque fazem número, mas não acrescentam, apenas rastejam. E tudo isto acontece por uma simples razão: porque não souberam alcançar as condições necessárias para se libertarem das amarras que os mantêm anulados e adiados.
A política precisa de pessoas que tenham vida, que tenham investido nas suas carreiras e alcançado patamares relevantes de independência que lhes permitam assumir um compromisso de serviço, sem desinvestirem nas suas vidas pessoais e profissionais. O homem até pode nascer político no instinto, mas não sobrevive genuinamente na política se não souber construir e manter o seu próprio percurso pessoal, intelectual, espiritual e profissional, se não investir em competências específicas que, para além do mais, enriqueçam e tornem valiosos os seus contributos públicos ou de serviço público. E nenhum desafio político pode castrar. Não pode destruir ou afastar o homem político do ser humano que vive, que pensa, que sente e que tem uma profissão, um caminho independente, para além da política. O trabalho dignifica o homem e liberta-o. Não podemos negligenciar as nossas vidas pessoais e profissionais. E ninguém pode ser obrigado a desinvestir apenas porque assumiu uma missão política, apenas porque, sem precisar, dá de si aos outros. Sim, sem precisar, porque só assim a missão se cumpre. A política vem apenas aumentar a responsabilidade.
É por tudo isto que, sempre que falo para jovens cheios de futuro não deixo de os incentivar a olhar o mundo à sua volta com interesse, a se interessarem pela política, pelo bem comum, alertando-os para a importância de construírem o seu próprio caminho, de descobrirem as suas vocações, de desenvolverem as suas aptidões e de adquirirem competências específicas, de investirem na sua profissão, de terem o seu trabalho, num percurso desafiante de independência, de descoberta e de construção constante.