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La Seda

Não podemos confundir a banca com aquilo que se fez dela nos últimos anos

No âmbito da Comissão de Inquérito Parlamentar à gestão da Caixa Geral de Depósitos, Eduardo Paz Ferreira terá confirmado que existia um tratamento especial, e à margem das regras, a alguns dos grandes devedores do banco.

O presidente do Conselho Fiscal da Caixa Geral de Depósitos entre 2008 e 2016, marido de Francisca Van Dunem, Ministra da Justiça deste Governo de António Costa, disse, ainda, ter existido intervenção do Governo de José Sócrates, através de Teixeira dos Santos, para a entrada do banco público no negócio da Artlant, a fábrica cuja produção de um químico para embalagens de plástico foi classificada como projeto de interesse nacional por José Sócrates, e que a empresa espanhola La Seda, que tinha como Vice-Presidente Fernando Freire de Sousa, antigo Secretário de Estado de António Guterres, e marido da socialista Elisa Ferreira, Vice-Governadora do Banco de Portugal, se propunha construir em Sines e na qual o banco público terá perdido mais de 500 milhões de euros.

Eduardo Paz Ferreira acrescentou que havia empréstimos de grandes devedores cujos incumprimentos não eram registados para que não ficassem refletidos nas contas da Caixa Geral de Depósitos. Que tudo isto terá ficado a constar dos relatórios que remetia à tutela. “Todos sabiam e deixaram correr”. O Banco de Portugal “teve uma supervisão soft, muito light sobre alguma banca”. A empresa que fez a auditoria à gestão da Caixa Geral de Depósitos entre 2000 e 2015 nunca falou com o Conselho Fiscal.

Não vou, como sempre, comentar factos específicos e circunstâncias concretas que desconheço, mas creio que as declarações de Eduardo Paz Ferreira naquela Comissão de Inquérito evidenciam aquele que é, de facto, o retrato que fica da banca dos últimos anos: uma banca sem consciência, sem ética e sem carácter, exposta a interferências políticas, com tratamentos privilegiados e manipulação de informação para além das regras, com ligações perigosas, promíscuas e pouco transparentes, num jogo de interesses pouco claros, duvidosos e altamente ruinosos. Uma banca sem responsabilidade, sem controlo e sem vergonha que os contribuintes, desesperadamente e sem culpa nenhuma, tiveram de aguentar. Uma banca que foi a plataforma através da qual os cidadãos e os pequenos clientes foram obrigados a financiar negócios obscuros. Uma banca nas mãos do poder político. Um casulo construído num fio de interesses.

Não podemos continuar a tolerar este tipo de comportamentos. Temos de nos indignar perante isto. A banca é importante demais. Não podemos confundir a banca com aquilo que se fez dela nos últimos anos. Não há mais espaço para essa banca de desequilíbrios, que nalguns casos colapsou, e, naqueles em que sobreviveu, começa a tentar respirar. Precisamos de uma banca séria, forte e com carácter, que tenha um papel verdadeiramente importante numa economia em crescimento. Precisamos definitivamente de uma banca independente, rigorosa e equilibrada, imune a qualquer tipo de influências.