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Entre marido e mulher, temos de meter a colher

Se pensarmos bem, o conhecido ditado popular de que “entre marido e mulher não se mete a colher” serviu de desculpa para calar, esconder e até normalizar a violência doméstica. Felizmente, hoje, sabemos que não só devemos meter a colher, como é um dever de todos nós enquanto comunidade, denunciar, agir e proteger. O silêncio é cúmplice e, muitas vezes, mata.

O último caso mediaticamente conhecido, ocorrido em Machico, só provocou alarme social porque existiu um vídeo. Mas quantos casos não conhecemos e, pior, quantos casos conhecemos e nada fazemos?

Todos ficamos escandalizados, mas a minha revolta não se ficou pelo conhecimento da violência contra uma mulher a que assistiu o seu filho. Nas redes sociais, não foram poucos os que procuraram culpabilizar a vítima e desculpar o agressor. Cada vez que se minimiza um ato de violência, está-se a repetir a agressão, está a dizer-se à vítima que a sua dor pouco importa e que sua vida pouco vale. A violência doméstica não é uma perda de controlo momentânea, não é causada pelo outro ter traído ou ter dito o que não deveria dizer. É machismo puro, enraizado numa cultura que fecha os olhos à agressão e sustenta a ideia de que o homem tem poder, autoridade ou posse sobre a mulher, seja o seu pensamento, o seu corpo, as suas escolhas, a sua vida. Acha-se que o agressor tem o direito de controlar a sua mulher e, muitas vezes, ainda se diz que ela é que provocou. Não há desculpas para a violência! Quem agride tem de ser responsabilizado, sempre.

Ao contrário do que pensamos, a maior insegurança não está nas ruas, está mesmo dentro de casa, espaço que deveria ser de amor e proteção. Julgo ser impossível imaginar quem passa por um tormento destes: o sofrimento, a angústia, o medo e a vergonha, para não falar das marcas, para além das físicas, e dos danos psicológicos que ficam para toda uma vida.

A violência doméstica não é apenas um problema privado, é uma chaga social. Não é “uma coisa do casal” e não se limita à relação conjugal. Também há filhos e netos que agridem pais e avós, idosos vítimas dentro do próprio lar, e todo um calvário de dor que atravessa gerações e destrói famílias.

A violência doméstica é reflexo de uma sociedade que, demasiadas vezes, normaliza o insulto, o ódio e a agressividade. Uma sociedade onde há quem, com responsabilidades políticas, alimente divisões, radicalismos e discursos de ódio. Quem fomenta a intolerância no espaço público cria terreno fértil para que, dentro das casas, no trânsito, na fila do supermercado ou nos arraiais, a violência seja vista como inevitável.

É por isso que combater a violência doméstica exige mais do que proteger vítimas. Exige uma mudança cultural profunda, onde a política dê o exemplo, onde a convivência democrática seja feita de respeito, e onde a justiça não falhe em proteger os mais vulneráveis.

É por isso que o PS Madeira tem colocado este tema no centro da sua ação política. Porque não basta discursos de ocasião, nem campanhas de sensibilização apenas em datas especiais. É preciso políticas concretas e sustentadas. Políticas com propostas para um investimento reforçado no combate ao apoio às vítimas, numa ação multissetorial envolvendo os setores da saúde, da justiça, educação e serviços sociais, além de medidas como atribuir habitação social com prioridade para as vítimas e um pacote de medidas de autonomização.

Não podemos apenas lembrarmo-nos da violência doméstica quando vemos um vídeo dramático de agressão. Precisamos de uma cultura de tolerância zero, onde a responsabilização seja imediata, a proteção eficaz e a prevenção seja constante, e em vez de relativizar possamos enfrentar esta chaga social de frente.