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Crónicas

O que a lente deles capta quando nos mira

Quando sentimos segurança, o cérebro aprende melhor, o coração abre-se mais, colaboramos, o vínculo floresce. Quando não sentimos, aprendemos a fechar-nos, a ‘fugir’ não por mal, mas por proteção

E se a forma como falamos e, acima de tudo, como agimos com os nossos filhos for o padrão que eles vão aceitar do mundo? Se for aquilo que lhes ensina como merecem ser tratados?

Partilho o mesmo pensamento que Remi Makanjuola quando nos diz: seja tão educado com seus filhos, que se alguém for rude com eles, eles não pensem que isso é normal.

Os nossos filhos não crescem a fazer o que lhes dizemos. Crescem a fazer o que nos vêem fazer. Mesmo aquilo que nós não sabemos que fazemos. Crescem a olhar para nós, nos nossos gestos distraídos, nas nossas reações automáticas, nos nossos silêncios, na forma como resolvemos os desafios, como agimos perante a injustiça. Crescem dentro daquilo que sentem em nós. Fica tudo registado, cristalizado como numa fotografia que será revisitada, vezes sem conta, ao longo da vida.

Os seus corpos e cérebros, ainda em formação, lêem-nos como um livro aberto. Percebem quando estamos tensos mesmo que esbocemos sorrisos. Percebem quando dizemos “está tudo bem” e o nosso olhar está distante. O sistema nervoso deles, ainda tão vulnerável e por regular, sincroniza-se com o nosso. Este é o princípio da teoria polivagal: a segurança não se explica, sente-se.

Educar de forma generativa, bem, é muito menos sobre ter razão e muito mais sobre ser coerente. É sobre sermos inteiros o suficiente para que os nossos filhos possam confiar não só em nós, mas em si mesmos através de nós. E isso exige consciência. Porque há padrões que se repetem sem serem vistos. Há feridas que sem querer entregamos, embrulhadas em exigência, medo ou culpa.

É por isso que a parentalidade generativa não é um manual de regras, mas uma chamada à presença. Um convite para olharmos para dentro, reconectarmos, antes de corrigirmos o que está fora. É o treino da auto-regulação, que segundo a teoria do vínculo, é a base da co-regulação.

Se eu me escuto, consigo escutar. Se eu me acalmo, consigo acalmar. Se eu me conheço, consigo ensinar com verdade.

Educar bem, então, é ter a humildade de permitir que os nossos filhos imitem o nosso melhor, mas também de os preparar para questionar com curiosidade o nosso pior. Porque o nosso melhor não está na perfeição. Está na coragem de evoluir à frente deles. De crescer com eles. Está na forma como reconhecemos o erro e pedimos desculpa. Como assumimos quando erramos. Como recomeçamos.

Quem usa o poder para diminuir o mais vulnerável perde o direito de pedir respeito. Onde há medo, não pode haver respeito verdadeiro. Só podemos esperá-lo num ambiente onde o respeito é vivido e não imposto. Ensinar um filho a ignorar o que sente para obedecer a quem manda, não é educação.

Todos os filhos merecem pais que protejam os seus corações, não que o partam.

Todos os filhos merecem pais que os honrem e ensinem a ser livres, não que os prendam em culpa, vergonha ou obrigação.

Todos os filhos merecem pais que os escolhessem sempre. Não só quando é fácil. Não quando dá jeito. Sempre.

Pais generativos são conscientes e criam raízes emocionais, onde o crescimento acontece com afeto e sem medo. Pais generativos não exigem resposta automática. Criam contexto: amor, confiança, responsabilidade. São pais abrigo. O nosso papel não é colher. É regar, com verdade. Com presença. Com essa forma de amor que não se impõe, mas permanece. É assim que eles aprendem, de verdade, o que é crescer inteiro. Porque para um filho, o mais importante não é o tempo que passa com o pai, ou com a mãe, mas o que sente: segurança, acolhimento, reconhecimento, amor incondicional e liberdade para ser. Para nós, adultos, numa relação, também.