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Crónicas

Amar só não chega

Amar é faísca, mantê-la acesa é um compromisso diário recheado de escolhas feitas de gestos, presença e cuidado. Porque quem ama, cuida

A lua-de-mel não é obra do acaso. Não é sorte. É uma criação. E, se quisermos, podemos sustentá-la para sempre. Quem o diz é Bruce Lipton, biólogo celular, pai da epigenética. Décadas de estudos revelaram-lhe, e agora a nós, que o amor é faísca, mas não combustível eterno.

Amar só não chega. Não basta “querer” o outro. É preciso criar o espaço onde esse querer é seguro, reconhecido, visto, valorizado, nutrido. É construção. É arquitetura. Não apenas fogo.

O erro mais comum? Acreditar que a intensidade inicial se mantém por inércia. Ou pensar que o outro “sabe” o que sentimos. Não sabe. Pode, quanto muito, alucinar (de acordo com a sua própria história pessoal e isso, dependendo dos contextos e vivências pode ser perigoso). É preciso validar que o outro sabe o que sentimos.

O coração, tal como as células, responde ao ambiente. E o ambiente de uma relação constrói-se e nutre-se com palavras, gestos, olhares, toques e até silêncios conscientes. Todos os dias.

John Gottman, psicólogo e investigador que passou décadas a observar casais, diz o mesmo com outras palavras: o que separa os que prosperam dos que se afastam não é o arranque, é a forma como cuidam um do outro. No banal. No discreto. No invisível. Mais uma vez: todos os dias!

O amor vive dos gestos pequenos. O jantar especial conta, claro. Mas é o “estar presente” quando o outro fala, o ritual de cuidado que se repete, a curiosidade que não morre.

Quando entrevistei Bruce Lipton para o meu livro Gurus de Palmo e Meio, ele deu-me uma chave preciosa: aquele estado de eterna lua-de-mel: conexão, presença, admiração, pode ser recriado. Conscientemente. Pelos dois.

O segredo? Manter a atenção plena do início. Ouvir de verdade. Em escuta ativa. Ser curioso. Ver o outro como novidade. Responder com gentileza. Gerar segurança afetiva. Gerar, nutrir e manter emoções que regeneram. Porque o stress crónico corrói a saúde da relação e a do corpo.

Lipton lembra: o amor é química, mas também é biologia comportamental. E a biologia responde ao ambiente que criamos. Sempre.

Para Gottman, traduz-se em gestos claros: cultivar amizade profunda, cumplicidade, responder aos convites de conexão, manter a proporção mágica: cinco interações positivas para cada negativa.

Mas como manter esse amor vivo, dia após dia? Eis sete práticas essenciais:

1. Responder aos convites do parceiro: aquele comentário, aquele toque, aquele olhar que pede ligação;

2. Criar rituais de conexão: um abraço ao chegar (ao sair), um café sem telemóveis, uma mensagem de bom dia (outras durante o dia);

3. Escuta ativa: ouvirmos com atenção, validarmos, mostrarmos interesse genuíno;

4. Expressar gratidão: dizer o que admiramos, o que agradecemos, o que reconhecemos de bom;

5. Dar prioridade à intimidade: emocional e física, mesmo na correria dos dias;

6. Incentivar o crescimento do parceiro: substituir julgamento ou desencorajamento dos sonhos, por gestos de apoio e celebração das ambições do outro. Isto é uma expressão de amor poderosa;

7. Entender e usar a linguagem do amor do outro (Gary Chapman descreve cinco): amar bem significa adaptarmo-nos à forma como o parceiro sente e recebe amor; palavras de afirmação, toque, qualidade de tempo, atos de serviço ou presentes. Reconhecer e comunicar com essa linguagem torna o amor mais profundo.

Porque o amor não vive de combustão espontânea. Precisa de oxigénio. Prática. Escolhas conscientes. Sem isso, o efeito-lua-de-mel apaga-se. E há mais; casais felizes não vivem sem atritos. Se escolherem dormir ‘zangados’ é porque existe um pré acordo que os leva a conversarem no dia seguinte. A noite nestas situações, pode ser boa conselheira e oferecer a possibilidade de auto-regular as emoções e criar espaço para um diálogo honesto: sim, conflitos podem fortalecer o vínculo seguro.

Isto é válido para todas as relações: amar é um compromisso diário. Pede a prática de igual dignidade, valor, integridade, responsabilidade pessoal. Constância. Presença. Cuidado. Não é um fogo de artifício eterno. É essencial construir, nutrir e manter o amor intencionalmente, em vez de esperar que ele simplesmente aconteça.