Quem paga o condomínio do País? Autonomia, Fiscalidade e Igualdade Cívica

Em resposta ao debate sobre a revisão da Lei das Finanças Regionais (LFR), que muito me diz por ter sido aprovada enquanto fui deputado na Assembleia da República, deixo aqui a minha reflexão.

Não é uma crítica pessoal a ninguém — é apenas uma visão que considero urgente e talvez diferente do habitual.

Uma visão que me tem acompanhado há anos, mas que agora me parece ganhar nova atualidade…

Sim, é verdade — tudo muda, e uma revisão da Lei das Finanças Regionais impõe-se. Mas que não seja apenas mais uma ginástica orçamental, e sim uma oportunidade para clarificar de vez o nosso lugar no país: portugueses de corpo inteiro, não cidadãos insulares à parte.

Há um problema que me inquieta há muito — e que, confesso, me faz sentir menos português que os outros. Refiro-me ao facto de que, apesar de os madeirenses pagarem impostos, esses impostos não são integrados no esforço nacional, como acontece com todos os restantes portugueses. Ficam cá, retidos na Região, como se a Madeira fosse um pequeno Estado separado do resto do país. Isso enfraquece o nosso estatuto cívico e alimenta a velha narrativa de que vivemos à custa dos contribuintes do continente. Uma narrativa injusta, mas compreensível, porque a verdade é que não contribuímos diretamente para o Orçamento de Estado que nos sustenta.

Recordo que, noutros tempos, os funcionários públicos não pagavam IRS. O Estado fazia esse pagamento “por fora”, somando o imposto ao vencimento e assumindo-o por inteiro. Foi corrigido. Os funcionários passaram a pagar, como todos os cidadãos, e a situação ficou mais clara, mais justa, mais digna. Por que não aplicar o mesmo princípio à Madeira? Todos os impostos pagos cá deviam integrar o todo nacional, e depois, sim, a Lei das Finanças Regionais trataria da redistribuição adequada.

Não podemos manter-nos neste sistema opaco, que nos deixa fora do esforço coletivo nacional — como se fôssemos uma ilha... no sentido literal e orçamental. Somos portugueses como os outros. Não queremos privilégios, queremos respeito. E o respeito começa por contribuir.

Ora, esta separação fiscal acarreta outra distorção: a duplicação de organismos regionais que já existem na República. Uma teia institucional montada para empregar clientelas partidárias, muitas vezes com fraca competência e nenhuma transparência. Uma espécie de microestado construído dentro do Estado, mas à custa do Estado. Sempre fui defensor da Autonomia, mas nunca da criação de um regime paralelo que drene recursos sem prestar contas, nem reconheça limites.

A verdade nua e crua é esta: os senhorios do Terreiro do Paço foram substituídos por novos senhorios na Madeira, que dominam o voto com poncha, folclore e dependência. O povo continua pouco ouvido — mas sempre em festa, como convém aos que mandam.

Há, contudo, conquistas que vale a pena recordar. Uma delas foi o fim do regime de colonia, que durante séculos escravizou os madeirenses. Tive a honra de presidir, por nomeação do Tribunal da Relação de Lisboa, a uma das comissões que aplicou no terreno essa transformação jurídica e social. E reconheço aqui o papel positivo do então presidente do Governo Regional, Alberto João Jardim, que criou um departamento específico (sob a liderança do Dr. Varela, já falecido) para ajudar os colonos na organização dos seus processos e em muitos casos a pagar os senhorios, na hora. Até a Igreja — uma das maiores senhorialidades da ilha — foi posta em causa.

Sim, a Igreja explorava irmãos em Cristo, sob a capa das Escrituras. Parece mentira, mas é verdade.

Por tudo isto, urge uma revisão séria da LFR. Não para cortar o apoio nacional — a Madeira não vive sem o auxílio da República, por razões evidentes de insularidade e descontinuidade territorial — mas para que esse apoio seja justo, transparente, e inserido no quadro de um país coeso!

Quem sabe os madeirenses e RAM, não sairiam financeiramente beneficiados???

Porque, convenhamos:

Se todas as regiões exigissem o mesmo modelo autónomo, quem pagaria o condomínio do País?

Arlindo Oliveira