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Carácter, caracter…

Ou caráter e carater, conforme a versão ortográfica utilizada por quem escreve. Sabendo à partida que uma determinada palavra pode consubstanciar definições e significados que podem ser díspares de tal forma que até se podem antagonizar. Não quer dizer que seja este o caso, mas que se podem prestar a confusões, podem!

Procurando nos dicionários, do antes e do depois do dito acordo, ficamos já com uma noção das diferenças de significados que podem existir (e coexistir) dentro destas palavras que sendo as mesmas podem ser tão diferentes, independentemente de levarem consigo o “c” antes do “t” ou de se esquecerem de o encavalitar em forma de consoante muda.

Segundo uns, o carácter (vou utilizar o “c” encavalitado no “t”, não como consoante muda, mas como letra com todo o direito de ser lida e pronunciada, deixando a diferença fazer-se no acento do segundo “a”).

Assim temos que um caracter é um sinal escrito ao qual se atribui um determinado significado, sendo um elemento de escrita representado por sinais gráficos, que indica um fonema, uma sílaba, uma palavra ou um traço prosódico (Maria Helena Mateus et al, na Gramática da Língua Portuguesa, Editorial Caminho, 2003, definem a prosódia como um ramo da linguística que investiga as propriedades fónicas da cadeia da fala que contribuem para a interpretação do significado e determinam o ritmo da frase, a saber, o tom, o acento e a duração). Assim gastei uma parte importante dos caracteres que mensalmente me são atribuídos (e que habitualmente excedo com a complacência da Direcção, a quem agradeço!).

Por outro lado, temos o carácter, que é uma característica de cada um, traduzindo-se pela forma habitual e constante de reagir, isto é, a sua índole, a sua personalidade, o seu temperamento.

É uma qualidade distintiva, o cunho que nos distingue uns dos outros, a nossa especificidade, mas que também pode representar o nosso sentido ético, a nossa coerência, a nossa honestidade, que é independente do traço morfológico ou fisiológico que permite que se faça a distinção entre indivíduos e entre espécies com características diferentes.

Fulano tem um bom caráter, ou “tch!!”, sicrano é um mau carácter são frases comuns quando se quer elogiar ou vilipendiar alguém que apesar de apresentar traços morfológicos ou fisiológicos similares a quem comenta, tem traços de ética, coerência e honestidade diferentes dos padrões que a sociedade vai impondo consoante os ditames de quem tem o poder de influenciar e/ou comandar!

Um dia ouvimos quase unanimemente dizer que a eleição de um determinado político, por exemplo, Donald Trump foi “tch!!”, porque ele tem um mau carácter, foi mau para o mundo que pode virar às avessas devido ao mau feitio e à falta de uma ética consentânea com o “politicamente correcto” de uma determinada fatia da sociedade, para uns meses depois, os ditos representantes dessa mesma fatia tecerem loias ao caráter do mesmo Donald que permitiu que se arranjassem desculpas para aceitar o inaceitável – a guerra!

E quem fala de Trump (por ser uma figura com um carácter aparentemente execrável – não o conheço, somente sei o que vejo, leio e oiço), poderia falar de muitos outros que se arvoram em possuidores de carácteres enérgicos a quem a ética passa ao lado quando pretendem atingir os fins a que se propõem, normalmente em proveito próprio ou de ideais sem qualquer tipo de carácter de serviço do bem comum (servem servindo-se, ou servindo-se dizem servir!).

É assim que está o mundo: gastando caracteres a rodos com pessoas (carácteres) que não merecem que se gaste um que seja.

Não se gastam os mesmos rodos de caracteres em defesa de carácteres que valem a pena defender, que pela sua índole, pela sua personalidade, pelo seu temperamento podem influenciar a ética, a coerência e a honestidade tão necessários para que se possam acabar com as guerras que proliferam à custa da falta de carácter de uns quantos que mudam de direcção consoante a conveniência dos “mau-carácter” que por aí mandam.

Um jovem piloto de caças alemão (portanto servindo os “maus” da época), durante a Segunda Guerra Mundial, teve uma visão dos horrores da guerra, levando-o a pensar na extrema desconexão moral entre os líderes e aqueles que lutam no terreno. Os governantes e os generais, movidos quase sempre por disputas políticas e interesses económicos tomam decisões que levam ao sofrimento de milhões (veja-se o que se passa em Gaza!!), mas raramente assumem os riscos que impõem aos outros.

Sendo uma pessoa de carácter (de bom carácter!), é atribuída a Erich Hartmann a seguinte frase que define bem o que é a guerra:

“A guerra é um lugar onde jovens que não se conhecem e não se odeiam, matam-se entre si, por decisão de velhos que se conhecem e se odeiam, mas não se matam”.

Deixo aqui, em caracteres, o meu contributo na defesa de um carácter que devia ser objectivo comum:

A Paz!