Será que o candidato do Chega à CMF recebeu 5 mil euros de financiamento ilegal?
O anúncio de que Luís Filipe Santos será o cabeça-de-lista do Chega à Câmara Municipal do Funchal nas próximas eleições autárquicas suscitou dezenas de comentários nas redes sociais e no site do DIÁRIO. Há vários cidadãos que manifestam compreensão ou apoio à opção seguida pelo ex-autarca social-democrata do Imaculado Coração de Maria e até há poucos dias militante do PSD. Mas alguns levantam questões sobre a sua conduta ética e até legal. Sobre este último aspecto, um dos comentadores garante que este candidato esteve ligado a um caso de alegado financiamento político ilegal ao CDS-Madeira. “Recebeu 5 mil euros de financiamento ilegal na conta pessoal e agora aparece no grupo dos rouba-malas”, escreve André Andrade. Será que foi mesmo assim?
Em Abril de 2021 foi noticiado que dois anos antes, durante a campanha para as eleições legislativas regionais da Madeira, o CDS-PP/Madeira teria recebido cerca de 30 mil euros provenientes do empresário César do Paço, conhecido por ter financiado o Chega e por ter ocupado cargos honorários como cônsul da República da Guiné-Bissau e de São Tomé e Príncipe nos Estados Unidos. A informação foi revelada numa investigação jornalística da SIC, em colaboração com o jornal ‘Expresso’, através da reportagem ‘A Grande Ilusão’, emitida em Abril de 2021. Segundo os dados divulgados, seis dirigentes ou candidatos do CDS/Madeira terão recebido cada um cerca de 5 mil euros, depositados directamente nas suas contas bancárias pessoais. Os beneficiários foram o então líder do CDS/Madeira Rui Barreto, o irmão Vítor Barreto, Gonçalo Pimenta, Gonçalo Nuno Santos (pai), Gonçalo Nuno Santos (filho) e Luís Filipe Santos (filho e irmão dos dois últimos). Este último é o actual candidato do Chega à Câmara Municipal do Funchal.
Os montantes foram transferidos em Agosto de 2019, poucos dias antes das eleições regionais de 22 de Setembro. A transferência em seis parcelas serviria alegadamente para contornar os limites impostos por lei aos financiamentos partidários.
Em Abril de 2021, o caso foi divulgado pela SIC, que revelou que Rui Barreto omitira o valor recebido na declaração de rendimentos e património que entregou no Tribunal Constitucional. A situação suscitou duas denúncias no Ministério Público: uma assinada pelo então líder parlamentar do PS, José Miguel Iglésias, a apontar para indícios de vários crimes; e outra por um cidadão lisboeta, por suspeita de pagamento antecipado de favores. Nessa altura, a Procuradoria-Geral da República confirmou a abertura de um inquérito no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Funchal para apurar eventuais indícios de financiamento político ilegal, branqueamento de capitais ou outras infracções conexas. O processo visava investigar as circunstâncias das transferências e eventuais responsabilidades penais dos envolvidos.
Os contornos seguintes do caso foram revelados numa reportagem publicada pelo DIÁRIO em 2 de Outubro do ano passado. Quatro dos seis beneficiários das transferências (Luís Filipe Santos, Gonçalo Nuno Santos (pai), Vítor Barreto e Gonçalo Pimenta) foram constituídos arguidos e interrogados no MP. A sua estratégia de defesa conjunta foi preparada pelo advogado e antigo deputado do PSD Guilherme Silva. Os arguidos relataram que quando o CDS estava a tentar obter um crédito bancário para financiar a campanha, César do Paço acedeu a transferir os 30 mil euros em fracções para as contas dos seis envolvidos, como empréstimo pessoal, sendo que estes entregariam depois o dinheiro ao partido na forma de donativo ou empréstimo. No entanto, como o crédito bancário foi aprovado, tal “fundo de contingência” não chegou a ser transferido para a conta partidária, tendo permanecido sempre na esfera dos 6 cidadãos, até à sua devolução a César do Paço.
O procurador Miguel Silva considerou esta explicação plausível e concluiu pela “inexistência de crime”, pelo que a 11 de Julho de 2024 ordenou o arquivamento do inquérito.
O histórico deste caso revela que efectivamente Luís Filipe Santos recebeu na sua conta pessoal cerca de 5 mil euros que se destinariam a financiar o CDS. No entanto, a investigação do Ministério Público concluiu pela ausência de crime na sua conduta e que o dinheiro nunca chegou ao partido, tendo sido devolvido à origem. Há outra imprecisão na forma como esta situação foi apresentada publicamente e tem a ver com uma eventual ligação partidária ao CDS. Apesar de ter sido mencionado como “dirigente” ou “candidato” do CDS, Luís Filipe Santos manteve-se sempre como militante do PSD. Aliás, esteve presente nas reuniões partidárias de preparação das eleições regionais do corrente ano.