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A anatomia do ódio

“A fé, a esperança e o amor, mas o maior destes é o amor” (1 Coríntios 13) assim, só pode haver adversários a vencer, não inimigos a destruir.

Todos nós somos o produto do caminho que percorremos durante a nossa vida. Somos o que herdamos, o que soubemos colher dos nossos progenitores, dos nossos amigos e companheiros. Dos episódios marcantes das nossas vidas, bons e maus. Da sociedade onde nos integramos, mas, acima de tudo, daquilo que escolhemos filtrar e escolher para ser o nosso objetivo de vida.

Vem esta citação, e reflexão, sobre o que muitos agora creem ser o momento, e o sentimento crescente na nossa civilização. Sobre os exemplos que se multiplicam em diferentes partes do mundo. De intolerância, reprovação, ira e, até mesmo, violência. Para com quem aparenta ser diferente, ou para quem, parecendo igual, pensa de maneira diferente ou, acima de tudo, para que aparenta ser diferente e pensa de maneira distinta ou tem objetivos diferentes. O que muitos designam com o ressurgimento do culto do ódio, e os exemplos florescem, como se de ervas daninhas se tratassem.

Mas o que é o ódio, ou a ira, a repulsa ou a aversão? Formalmente, será um intenso sentimento de repugnância a alguém em especial, ou a um grupo de pessoas, reais ou mesmo imaginárias, ou até mesmo a repulsa contra um conceito abstrato que defendido por outras pessoas. A característica é serem pessoas diferentes, distintas daquele que odeia. Seja outra raça, outra cor, outra crença, outro género, outras escolhas de vida, ou vindas de outras sociedades. A consequência é a intolerância, a discriminação ou mesmo o uso da violência.

Esta cultura do ódio aparenta ter outras subtilezas. Seja porque o ódio é motor que impulsiona decisões políticas, seja contra emigrantes numas nações, que instiga o genocídio noutras, que divide países que antes cooperavam em paz, ou que clivam sociedades sobre diferentes opções de vida. A clivagem pode acontecer num âmbito de uma nação, ou mesmo de uma família.

Também pela polarização do debate, com a radicalização do discurso, deixando as partes de se ouvir e compreender mutuamente, negando qualquer dialética que leve a compromissos.

O discurso de ódio está blindado contra à compressão. A desinformação destrona a “verdade”, esta perde o seu valor, e passa a ser só um simples argumento. Não poucas vezes, são recriadas várias verdades travestidas, mesmo sobre fatos objetivos, ou mesmo científicos, como se de uma camuflagem sobre a realidade se tratasse.

O que para mim é ainda pior, é a falta de uma postura positiva sobre as diferentes coisas. É-me curioso constatar que, seja nas redes sociais, nos discursos dos políticos ou mesmo nas banais conversas do café, a crítica vence o elogio, o escárnio vence a compaixão, a amargura vence a empatia, a incompreensão vence o diálogo e o pessimismo faz o mesmo à esperança. Tal dá a ideia, muitas vezes, que não há forças dentro das pessoas, ou mesmo dentro das nações, que trabalhem para o bem, entendido como bem comum. Mas será que o “Império da Mal” está a vencer a batalha contra o “Império do Bem”, como se tratasse de um filme de George Lucas?

A melhor definição que encontro do ódio é simplesmente “a negação do Amor”! Amor no seu conceito mais abstrato e puro. A ser assim, a cultura do ódio é um conceito profundamente anticristão, como salientou inúmeras vezes João Paulo II nas suas homilias. João Paulo frequentemente ressaltava que o amor é a essência do cristianismo e a chave para compreender a vida e a missão de Jesus Cristo. Ensinava que o amor verdadeiro não é apenas um sentimento, mas um ato de entrega e cuidado com o próximo, qualquer que ele seja, refletindo o amor de Deus. Isto reverbera mesmo fora do catolicismo, mesmo até fora das religiões, creio.

A guerra fútil, o desprezo pela vida e dignidade de alguns grupos, ou partes da nossa sociedade, ou mesmo o genocídio, a vontade de estratificar o ser humano consoante a sua nacionalidade, cor, crenças, idade, sexo, sexualidade, posses, são em última análise, difíceis de conciliar com esta noção de amor ao próximo.

Em Portugal o incitamento ao ódio e à violência é crime, segundo o Código Penal (n.º 2 do artigo 240). Mas creio que o combate ao ódio não se faz nos tribunais, mas sim no palco das nossas consciências. Não nas sentenças, mas nas nossas decisões diárias. Não na jurisprudência, mas na análise séria dos ensinamentos que a História nos deu ao longo dos séculos. Não na Lei, mas no bom-senso das decisões, seja de quem nos governa, seja na nossa escolha de quem queremos que nos governe. Esta cultura do ódio é uma opção, em última análise, pessoal.

Procuremos dentro de nós a resposta.