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Um motorista pode ou não entrar com um autocarro na área de emergência hospitalar?

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Foto DR

Ontem, um motorista de autocarro da Horários do Funchal (HF) gerou alvoroço ao entrar com o seu veículo na zona de acesso à urgência do Hospital Dr. Nélio Mendonça, com o objectivo de deixar um passageiro que se sentiu mal. E, embora a atitude tenha sido bem-intencionada, a questão que se coloca é: será que o motorista podia ou não entrar com o autocarro na zona de urgência hospitalar?

O gesto gerou amplo debate, com mais de 500 comentários, na plataforma e redes sociais do DIÁRIO. A larga maioria dos leitores aplaudiu a iniciativa do motorista, mas também outros questionaram a legalidade e a segurança dessa manobra.

Vejamos aqui algumas reacções dos leitores, como a de José Manuel Vieira, que aponta que se o motorista tivesse deixado a pessoa na paragem e algo tivesse acontecido, certamente seria criticado por não ter agido. É o chamado ‘preso por ter cão e por não ter’. Por outro lado, Sofia Sousa destaca a importância de “atitudes altruístas” como a do motorista, sugerindo que deveria ser mais comum agir em prol da coletividade, e não simplesmente criticar.

Já José Pereira foi mais crítico. “Quem conhece o circuito automóvel da entrada e saída para as urgências sabe que isto é praticamente impossível. Vou dar o benefício da dúvida e imaginar que foi um pequeno autocarro de uns 15 passageiros e mesmo assim o motorista tinha de se contorcer todo para sai com o mesmo”. Mas não foi. Um dos autocarros, digamos, normais.

Alguns relatos, como o de Vera Nunes, reforçam a ideia de que o transporte de pessoas em emergências não é algo novo. Pelo menos, a fazer fé no testemunho desta leitora, já aconteceu uma vez. A internauta conta como, há anos, foi conduzida para as urgências do Funchal em um autocarro, após um acidente de moto. Um outro leitor parece confirmar esta afirmação, lembrando-se mesmo do motorista que efectuou aquele transporte.

Ouvimos, a este propósito, Gil Rodrigues, coordenador pedagógico da Escola de Condução Alternativa, acumulando largos anos de experiência em formação e instrução.

O que diz a Lei?

Para começar, em Portugal, o acesso a zonas de urgência hospitalar é regulado por normas e regras de segurança, visando garantir a eficiência dos serviços de saúde e a protecção de todos os envolvidos. A principal legislação que regula o acesso a essas áreas é o Código da Estrada, bem como disposições específicas de cada hospital sobre zonas de urgência.

No Artigo 64.º do Código da Estrada, na alínea dedicada ao trânsito de veículos em serviço de urgência, lê-se que “os condutores de veículos que transitem em missão de polícia, de prestação de socorro, de segurança prisional ou de serviço urgente de interesse público assinalando adequadamente a sua marcha podem, quando a sua missão o exigir, deixar de observar as regras e os sinais de trânsito, mas devem respeitar as ordens dos agentes reguladores do trânsito”.

As zonas de urgência hospitalar, como é do conhecimento geral, são geralmente de acesso restrito a veículos de emergência, como ambulâncias, carros de polícia e veículos de bombeiros, além de veículos com autorização específica. Portanto, um autocarro não pode entrar directamente numa zona de urgência, salvo em situações excepcionais.

E foi essa excepcionalidade que terá justificado a entrada do motorista, tendo a passagem do autocarro de transporte público de passageiros sido devidamente autorizada pelos elementos de segurança que se encontram junto à entrada do Hospital do Funchal. Recordar aqui que a barreira de segurança apenas levanta quando o segurança no local assim o permite.

“Na minha opinião, o motorista tomou a decisão mais acertada possível perante as circunstâncias com que se confrontava. Tendo em conta que a vida de uma pessoa estava, muito provavelmente, em risco, activar e esperar por meios de socorro tradicionais poderia ter comprometido o desfecho. Agiu com sentido de urgência, mas também com consciência da sua responsabilidade. Fez o que considerou necessário fazer”, começa por dizer o nosso interlocutor.

Neste particular, importa lembrar, conforme continua Gil Rodrigues, que estamos a falar de um motorista de autocarros, que são condutores com formação avançada, habituados a lidar com veículos de grandes dimensões em contextos exigentes.

“Tenho plena confiança de que, ao decidir entrar com o autocarro na zona da urgência, o fez com total controlo da situação, garantindo a segurança de todos os presentes, e atendendo que o veículo foi removido do local assim que o utente foi entregue aos cuidados médicos, não causando qualquer perturbação ao funcionamento do serviço de urgência”. Gil Rodrigues - Escola de Condução Alternativa

Olhando ao cenário, presume-se que a prioridade foi fornecer assistência rápida à pessoa em perigo, sempre em articulação com os profissionais de saúde no local e demais intervenientes. “Em resumo, este é um daqueles casos em que o bom senso, a formação técnica e o espírito de missão se juntaram para dar uma resposta à altura da urgência. E, para mim, isso merece reconhecimento”, considera mesmo o coordenador da Escola Alternativa.

Registar que, em outros casos, pode ser concedida uma autorização para que veículos, como autocarros e outros veículos pesados, entrem em zonas de urgência hospitalar. Por exemplo, se o autocarro estiver a transportar pacientes com necessidades específicas ou a descarregar material médico.

O DIÁRIO contactou também a Horários do Funchal, que sobre este assunto garantiu que o profissional em causa seguiu integralmente os procedimentos internos da empresa, acionando os mecanismos previstos para situações de emergência.

"Mais informamos que o contacto com as entidades competentes, nomeadamente o 112 e o Hospital Dr. Nélio Mendonça, foi direto e constante desde o primeiro momento, tendo sido fornecidas orientações ao longo de todo o percurso, incluindo a entrada controlada do autocarro no perímetro hospitalar. Esta articulação contribuiu para a rápida intervenção da equipa médica, que já se encontrava preparada para receber o jovem." Horários do Funchal

Na nota enviada ao nosso matutino, a transportadora reitera o "orgulho" e o reconhecimento público ao profissionalismo do motorista, que é exemplo do compromisso diário dos colaboradores da Horários do Funchal com a segurança e o bem-estar dos seus passageiros. "A Horários do Funchal continuará a zelar por um serviço público responsável e atento, e aproveita para desejar rápidas melhoras ao jovem passageiro.”

Um motorista pode entrar com um autocarro na área de emergência hospitalar?