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Fact Check Madeira

Será que a actual feira do Porto Moniz na essência é diferente da velhinha Feira do Gado?

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Foto Orlando Drumond

Decorre a 68ª Feira Agropecuária do Porto Moniz, inicialmente designada de Feira do Gado e Concurso Pecuário.

A notícia da realização de mais uma edição do certame desencadeou centenas de comentários nas redes sociais. No Facebook do DIÁRIO, houve meia centena e a esmagadora maioria foi crítica. Essencialmente, é afirmada a descaracterização da feira e o foco no aspecto comercial, além de haver pouco gado em exposição. Mas, será mesmo que a feira está, no essencial, diferente do que era quando nasceu e do que tem sido ao longo de quase 70 anos?

A verificação dos factos e consequente veracidade do que é afirmado vai ser feita com base nos arquivos das notícias da imprensa regional, no arquivo fotográfico do DIÁRIO e no que se encontra em depósito no ABM (Arquivo e Biblioteca da Madeira). Mas, antes, vejamos, uma síntese do que é afirmado pelos leitores, na rede Facebook.

Um conjunto de leitores aponta à descaracterização do evento, enquanto feira do gado, um certame ligado à vida agrícola, com vacas, bois, tratores, máquinas agrícolas e um ambiente rural autêntico.

Outros criticam a actual configuração da feira por, ao que afirmam, ter perdido o seu carácter tradicional. Muitos comentários destacam uma transformação em algo mais próximo de uma festa urbana, com DJ, bares, comes-e-bebes e presença de políticos.

Há, igualmente, um conjunto de leitores que criticam o abate dos cedros “que davam o valor e a harmonia ao local”.

Vejamos agora, em concreto e em tom de avaliação, alguns pontos das afirmações dos leitores.

A não existência de gado, ainda que afirmada de forma hiperbólica, acaba por isso mesmo, exagerada, e, assim, falsa. Actualmente o número de cabeças de gado ultrapassa uma centena. Na primeira edição da festa, em 1956, foi um pouco mais, mas não chegou a 200. A edição do DIÁRIO de 18 de Junho daquele ano dizia: “O número de cabeças de gado exposto foi 192, sendo 3 touros reprodutores, 114 vacas de produção leiteira, 10 vacas que não se encontram em produção leiteira e 65 novilhas”.

Uns anos depois, em 1960, a Feira já havia ganho outra dimensão e era possível ver “mais de 600 vacas” “pertencentes a 355 tratadores”.

Ainda na primeira edição, a de 1956, o DIÀRIO dizia tratar-se de uma iniciativa da Câmara do Porto Moniz e da Junta Geral, destinada a gente de toda a ilha da Madeira, e acentuava o carácter festivo do acontecimento. “Sabemos que o recinto está vistosamente engalanado, e não faltam as acolhedoras barracas de comes-e-bebes, as músicas e ranchos folclóricos, numa movimentada folia de carácter acentuadamente popular. São festas desta natureza que sobretudo divertem o povo, proporcionando-lhe horas despreocupadas e felizes. E isto tudo, ao lado dum expressivo certame de gados utilitários (…).”

No dia seguinte ao da Feira, era dito que a Feira do Gado e Concurso Pecuário do Porto Moniz havia sido um “inédito acontecimento” que “concitou o entusiasmo dos povos das regiões Oeste e Norte da Madeira, atraindo ao lugar das Portas da Vila milhares de forasteiros”.

Como se verifica, desde o início, o aspecto festivo do certame esteve sempre presente e foi determinante na criação da Feira, sendo os divertimentos ao estilo e disponibilidade da época. Houve bandas de música, ranchos folclóricos e os “alto-falantes do Sr. João Fernandes da Silva, o Grupo Desportivo Cruzeiro, devidamente equipado, os rapazes da Escola Agrícola do Lugar de Baixo (…), e as raparigas da localidade e das freguesias próximas com os seus trajos garridos, imprimiram ao ambiente um cunho alegre”.

Também desde o início, houve a parte comercial, em especial, relacionada com o sector primário. “Assinalavam o local os arruamentos horizontais, os mastros embandeirados, os ‘stands’, as baias para o gado – caiadas de branco – os pavilhões de exposição pecuária e agrícola; viam-se ainda outros pavilhões, com artigos regionais, alfaias agrícolas, etc.”

Outra constatação, também a partir de texto como de imagens, é que o espaço, durante muito tempo não tinha árvores no recinto central. “Ao fundo uma cortina de árvores a fechar o colorido daquele espectáculo campesino, que impressionou os milhares de forasteiros que ali foram”. Na altura não havia árvores ao centro.

Outra das coisas muito faladas, como descaracterizadoras da feira, foi o corte das árvores, que davam sombra e beleza ao espaço, havendo quem tenha sugerido a existência de negociatas em tono disso e da Feira, em geral.

Ora, como o DIÁRIO noticiou em Maio de 2024, o corte das árvores aconteceu por questões segurança, depois de todo o recinto ter sido atingido por um incêndio florestal, ainda assim, não sem que antes o IFCN (Instituto de Florestas e Conservação da Natureza) tenha dado parecer positivo ao abate e acompanhado todo o processo.

Também desde o início, a Feira tem sido ‘passerelle’ para políticos e outras personalidades, primeiro do Antigo Regime, depois, da Autonomia de Jardim e Albuquerque.

Como se verifica, no essencial a Feira continua a mesma: tem festa, muita festa, gado, comércio e gente a aparecer para se fazer notar. Por isso avaliamos como falsas as afirmações que apontam no sentido de a Feira estar totalmente desvirtuada. Isto não invalida que a adesão à mesma não seja bem inferior à de outros anos e que os negócios gerados não estejam a mudar de natureza, como o comprova o facto de apenas um bezerro ter sido transacionado no leilão deste sábado.

“Eu nunca vi uma feira como esta, sem gado” — A. Silva; “A feira das barracas, comes-e-bebes” – O. Ferreira