Silêncio e tanta gente
Há uns anos, fui ao aeroporto da Madeira receber o Doutor Rui Alarcão, antigo Reitor da Universidade de Coimbra, que vinha para uma conferência da Ordem dos Advogados que assinalava o cinquentenário da entrada em vigor do Código Civil. Nessa altura, muita gente se concentrava em torno do busto que lá estava do Cristiano Ronaldo.
Não me recordo se era aquele primeiro busto mais “criativo” que despertou especial curiosidade. Sei que as pessoas tiravam ali umas fotografias divertidas e então o Professor perguntou-me, com o seu ar sereno e atento, mas surpreso, o que se passava. Dei a razão daquele aparato e procurei ser simpático perguntando imediatamente se queria tirar uma fotografia junto ao busto. Sorriu ligeiramente e respondeu-me do alto dos seus 87 anos e com aquela gentileza fina que sempre o caracterizou: “Não, obrigado. Sabe, eu sou um bocado contra a divinização das pessoas”. Foram as suas palavras cuidadosas. Sorri também e guardei aquele momento sábio de um grande mestre do pensamento. É evidente que o percurso espetacular do atleta madeirense não estava em causa e merece o nosso reconhecimento entusiasmado e orgulhoso. O registo do Doutor Rui Alarcão é absolutamente abstrato, transversal e bem mais profundo.
E o que me preocupa mesmo agora é o outro extremo, o destaque mediático que é dado a criaturas banais que não têm qualquer mérito, talento, obra ou percurso pessoal relevante. É evidente que me mantenho em silêncio, mas confesso que fico apreensivo com o que se passa à minha volta, especialmente com a sucessão de episódios ocos e de eventos vazios, absolutamente desnecessários, apenas para promoção pública de nulidades balofas, insufladas por uns gingões tesos que se afastam covardemente da verdade, por empresários gulosos que procuram satisfazer os seus apetites egoístas e por uns pseudointelectuais de causas triviais, ultrapassados, esgotados e moribundos, que procuram apenas uns tostões de sobrevivência. Perante isto, calo-me sempre. Aliás, afasto-me, porque não exponho o melhor de mim a poeiras sujas. Não exponho o meu melhor fato ao mofo de criaturas saloias embrulhadas em peças de cortinado dos anos 70. Deixo as passadeiras do ridículo para os fanfarrões. Dispenso. Não quero isso. Distancio-me, mas sim, preocupo-me, confesso, porque estamos mesmo a “perder o norte”. O ridículo entretém, mas não constrói. E espero que todos possamos sempre caminhar no sentido da construção séria e responsável. Tenho os meus defeitos, mas nunca, nunca, me desviarei dos verdadeiros princípios éticos e morais, daqueles que considero valores fundamentais, e manter-me-ei firme perante qualquer tipo de ataque baixo de fanfarrões, parolos e gingões que se vendem “a troco de um prato de lentilhas”. “Um vintém é um vintém, um cretino será sempre um cretino”.