Redução de Perdas de Água no Funchal – Um Caminho de Sucesso: Os Números
“O combate às perdas de água não é uma corrida de 100 metros, mas uma maratona”
(Ricardo Guimarães, EPAL)
Em 2020, o Diário de Notícias teve a amabilidade de publicar um artigo meu, dividido em três partes, denominado “Redução de Perdas de Água nas Redes de Distribuição da Madeira”, em que, na primeira, foi dado um alerta sobre a situação existente em termos de perdas de água na Região, na segunda quantificado sumariamente o problema e, na terceira e última parte, apresentado um conjunto de propostas de actuação futuras. Passados que são 5 anos, julgo ser altura de realizar um balanço crítico dos resultados obtidos, aqui particularizando para o Funchal.
Um pequeno enquadramento prévio: o conceito de água não facturada (ANF) é muitas vezes confundido com o de perdas de água, o que não é correcto. A ANF é a água que a Entidade Gestora (EG) não factura – ou seja, a diferença entre o volume de água que compra (e/ou produz) e o que vende -, sendo o somatório de três componentes: 1) o que se perde fisicamente nas redes, em acessórios ou derrames, as “perdas reais”, um efectivo desperdício; 2) o que é furtado ou não contabilizado devido a erros de medição, por exemplo em contadores, as denominadas “perdas aparentes”, já que são apenas comerciais e não físicas; 3) os usos autorizados não facturados, gastos que a EG permite mas opta por não cobrar. Note-se que, no Funchal, as perdas reais correspondem a cerca de 90% do volume de ANF – a ordem de grandeza na Região -, o que bem sublinha a sua importância no combate às perdas.
A evolução da ANF e das perdas reais nos últimos 10 anos foi a que se apresenta na Fig. 1, onde se mostram os respectivos valores anuais, em milhões de metros cúbicos (Mm3), e se assinala a data de arranque da implementação - no princípio de forma ainda insipiente - do Projecto de Controlo e Monitorização de Fugas (adiante apenas “Projecto”), por sua vez iniciado 2 anos antes.
Como se vê, o crescimento desmesurado da ANF foi “estancado” no final da década passada, assistindo-se, desde aí, a uma redução consistente, sendo que em 2024 se conseguiu “regressar” aos valores de 2014, ou seja, cerca de 15Mm3 anuais, estando-se numa trajectória decrescente.
Para que se tenha uma noção do que representa, esse é o volume de 6.000 enchimentos de uma piscina olímpica - sim, seis mil, não é engano. No entanto, olhando agora para o copo “meio cheio”, a verdade é que já se reduziram cerca de 4,5Mm3 anuais em relação ao que se desperdiçava há 5 anos – “convertendo” em piscinas, menos 1.800.
Mas analisemos com um pouco mais de detalhe. De acordo com o Projecto, a obra foi dividida em duas fases (ver Fig. 2): uma inicial, com aproximadamente 1/3 da extensão total da rede, estando actualmente concluída, em termos do seu funcionamento hidráulico, em cerca de 50%, e uma segunda, correspondente ao restante Concelho, com uma implementação da ordem de apenas 10%.
Como seria expectável, estando em diferentes etapas da sua conclusão, os resultados também são distintos, como se pode comprovar pela Fig. 3, onde se mostra que, na 1ª Fase, a redução volumétrica já é de praticamente metade do valor inicial e, na 2ª, se tem apenas 9%, o que conduz globalmente a uma diminuição anual de 22%. Um aspecto importante: se a redução na 2ª Fase fosse da mesma ordem percentual da 1ª, a ANF seria não de 15.3 Mm3, mas sim de apenas 9.5, ou seja, menos cerca de 6 Mm3 anuais, o que só por si ilustra bem a urgência da passagem deste tipo de Projectos do papel para o terreno.
Analisando em termos volumétricos, apresenta-se seguidamente a Fig. 4, na qual a redução de volumes é acumulada partindo de 2019, aquele onde se verificou o máximo de ANF. Como se demonstra, já se pouparam cerca de 13 Mm3, ou seja, mais de 5.000 piscinas olímpicas. Sublinhe-se ainda o facto de a 1ª Fase, apesar da sua diminuta extensão, ao estar mais avançada apresenta uma muito maior redução.
Transpondo agora para valores financeiros, tem-se o que se ilustra na Fig. 5, onde se mostra que, até ao momento, já foram poupados quase 5 milhões de euros, considerando um valor por m3 de 0,38€, uma média ponderada dos valores de compra (para perdas reais) com os de venda (para as restantes componentes da ANF).
Compare-se então (ver Quadro I) estes ganhos com o investimento efectuado, parcialmente pela Autarquia, outra parte através de Fundos Europeus (no caso, o POSEUR). Como se verifica, o que já se recuperou (4,9 M€) corresponde praticamente ao que o Município investiu (5,9 M€), sendo que a obra da 1ª Fase já se pagou totalmente a si própria em 2023 (2.4 vs. 2.3 M€) – aliás, em 2021 já estava paga, considerando apenas o investimento da Câmara Municipal do Funchal (CMF).
Se se extrapolarem os resultados para o futuro (admitindo a mesma taxa de redução), ter-se-ão os resultados que se apresentam na Fig. 6.
Da mesma pode concluir-se que o investimento da CMF deverá ficar integralmente pago neste ano (ou seja, em apenas 6 anos obter-se-á o retorno do investimento) e que o total investido o ficará apenas daqui a mais 2, num payback de 8 anos.
Estes resultados são, sem dúvida, muito encorajadores. Mas serão, em termos absolutos, realmente bons? A resposta honesta só pode ser “não”, ainda falta trilhar muito caminho, como se mostra pelo Quadro II, com a evolução de um indicador económico, a percentagem de ANF em relação à água entrada na rede, indicador esse que deveria estar, no máximo, em 30% (limite inferior de qualidade de serviço insatisfatória, segundo a Entidade Reguladora nacional, a ERSAR) e que, a este ritmo, em 2029 terá apenas baixado da “barreira psicológica” dos 50% (para 48.5%) – por outras palavras, é preciso trabalhar mais e melhor.
Para se atingirem os referidos 30% será então necessário que a ANF diminua para cerca de 5 Mm3, ou seja, apenas 1/3 do valor actual. Note-se que tal é difícil, mas perfeitamente exequível, como ficou demonstrado no Município de Santa Cruz, mais precisamente na Zona Piloto de Gaula, um subsistema cujo caudal nocturno (altura em que o que circula nas redes é quase só perdas reais) foi reduzido de cerca de 60 m3/h para menos de 18.
Em suma, uma obra deste tipo é um bom investimento ao nível da sustentabilidade, não só ambiental (reduzindo o stress hídrico) como económico-financeira, sendo absolutamente fundamental para que as gerações seguintes continuem a ter não só água em qualidade e quantidade, como também uma rede que a distribua.
Há então que continuar o trabalho, sabendo que o caminho é longo e cheio de percalços, com constantes dificuldades aos níveis social, técnico e de execução, uma verdadeira maratona de filigrana e não um sprint (parafraseando Ricardo Guimarães) – mas o rumo está traçado e, como os resultados o comprovam, é sem dúvida o correcto. Consequentemente, com esforço e perseverança, dispondo de meios e pessoas competentes e comprometidas, esta é a direcção que deverá continuar a ser seguida, em benefício dos munícipes do Funchal, actuais e vindouros.
Finalmente, recordo o final do meu artigo anterior: “o problema das perdas de água não é uma questão política, é uma questão de sobrevivência”. Acrescento agora: felizmente no Funchal houve a capacidade de o entender, já que esta Obra de Geração teve o apoio de 4 presidências diferentes, de cores distintas, com os resultados que estão à vista de todos. Que essa visão e essa vontade política se estendam a toda a Região é o meu mais sincero desejo.
*Autor do Projecto de Controlo e Monitorização de Fugas do Funchal
(O autor não escreve, por opção, de acordo com a Novilíngua, vulgo AO90)