Os apartes insultuosos são comuns no Parlamento da Madeira?
Caso envolvendo o secretário regional Eduardo Jesus continua a dar que falar
Os apartes proferidos pelo secretário regional de Turismo, Ambiente e Cultura, Eduardo Jesus, durante o debate do Orçamento para 2025, na terça-feira de manhã, geraram polémica pela sua natureza insultuosa. O episódio levou o governante a pedir desculpa à presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, enquanto figura máxima que representa os deputados eleitos. A controvérsia resultou numa petição pública, que conta já com um milhar de assinaturas, a pedir o seu afastamento e reacendeu o debate sobre os limites do discurso político no Parlamento regional.
Na tarde de ontem, confrontado com o tema, o presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, afirmou manter a confiança política no secretário regional e relativizou o episódio, dizendo: “Estas são situações de apartes no Parlamento. Eu já vou há muitos anos ao Parlamento e são situações que tenho assistido muitas vezes.”
Mas será que episódios semelhantes são, de facto, frequentes ao ponto de justificar tal afirmação?
Sem pretender realizar uma análise exaustiva, e muito menos normalizar este tipo de linguagem, consultámos o arquivo do DIÁRIO e outras publicações, à procura de momentos de tensão e linguagem insultuosa entre deputados e governantes — tanto dentro como fora do hemiciclo.
Um dos casos mais notórios ocorreu em 2008, quando o então presidente do Governo Regional, Alberto João Jardim, se referiu aos deputados da oposição como um “bando de loucos”. A declaração foi feita no contexto da visita oficial do Presidente da República, Cavaco Silva, à Madeira, durante a qual não foi incluída uma sessão solene no Parlamento.
Jardim defendeu essa ausência com a seguinte afirmação: “Eu acho bem não haver uma sessão solene, acho que era dar uma péssima imagem da Madeira mostrar o bando de loucos que está dentro da Assembleia Legislativa”. Acrescentou ainda expressões como “o fascista do PND, o padre Edgar (do PCP)” e “aqueles tipos do PS”.
Madeira: político contra «bando de loucos»
Presidente da Assembleia Legislativa regional acha bem não haver sessão solene
A reacção foi generalizada. O então presidente da Assembleia Legislativa tentou desvalorizar a intenção insultuosa da frase, mas os visados manifestaram-se em sentido contrário. A declaração teve eco até a nível nacional.
Outro protagonista frequente de episódios tensos foi José Manuel Coelho, do PND. Em Dezembro de 2008, por exemplo, a Assembleia decidiu adiar a transmissão em direto das sessões na internet para poder cortar “cenas desprestigiantes”. Segundo o jornal Público, a medida visava evitar episódios como o que envolveu Coelho, que, ao discursar na tribuna, desfraldou uma bandeira com a cruz suástica.
Madeira: bandeira nazi interrompe parlamento
José Manuel Coelho, deputado do PND, insurge-se contra o governo regional do PSD apelidando-os de «fascistas»
Nesse mesmo ano, mas nas comemorações do 25 de Novembro, houve mais insultos no Parlamento da Madeira, envolvendo o deputado do Jaime Ramos, do PSD, acusado de chamar “fascista” e “chulo” ao parlamentar do PCP Leonel Nunes.
"Fascista" e "chulo": mais insultos na Madeira
Madeira. 25 de Novembro comemorado no Parlamento Jaime Ramos chamou "fascista" ao deputado do PCP Leonel Nunes A Assembleia Legislativa da Madeira (AL
Mais recentemente, em 2019, durante a discussão do programa nacional de apoio aos emigrantes ‘Regressar’, o deputado social-democrata Carlos Fernandes acusou o PS de xenofobia. Alegadamente, o socialista Beto Mendes terá dito, num aparte: “não sabes falar, nem ler português”.
O líder parlamentar do PSD exigiu esclarecimentos, ao que Miguel Iglésias, presidente do grupo parlamentar socialista, respondeu que “alguns apartes são fora de tempo”, mas que não se justificava classificá-los como injuriosos.
“Não sabes falar, nem ler português”. Na Madeira, deputado do PSD acusa parlamentar do PS de xenofobia
No plenário debatiam-se os apoios do governo da República aos emigrantes e o facto de a Madeira estar fora do programa ‘Regressar’ quando, num aparte à intervenção do deputado lusodescendente Carlos Fernandes, um parlamentar socialista terá exclamado: “não sabes falar, nem ler português”
Em Maio de 2022, o programa ‘Primeira Mão’, da TSF-Madeira, abordou o tema da convivência parlamentar. A investigadora Liliana Rodrigues destacou a necessidade de elevação no debate político, recordando que o artigo 10.º do Regimento da Assembleia estabelece limites ao comportamento dos deputados, distinguindo entre manifestações toleráveis e atitudes que perturbem os trabalhos parlamentares.
Insultos nos plenários da ALM deviam ser penalizados
Liliana Rodrigues sugere consequências do foro disciplinar para comportamentos que lesam a integridade e o bom nome de quem representa a vontade popular. Este foi um dos assuntos do 'Primeira mão' desta semana
Questionava, como o têm feito muitos dos nossos internautas nos últimos dias, se as sanções actualmente previstas seriam suficientes, defendendo que insultar um deputado é também insultar os eleitores que o elegeram. E concluiu: “Nenhuma democracia é digna desse nome quando o insulto substitui o debate.”
Mais tarde, em Dezembro de 2023, outro episódio gerou debate. Durante uma sessão plenária, o deputado do PSD Carlos Rodrigues dirigiu-se ao deputado Élvio Sousa, do JPP, acusando-o de arrogância e afirmando que “vai acabar mal. Vai acabar muito mal. Porque aqueles que se julgam melhores do que os outros acabam no fundo do mar.” O DIÁRIO submeteu então a afirmação a um Fact Check, questionando se se trataria de uma ameaça física.
É, de facto, verdade que o Parlamento da Madeira já assistiu a diversos episódios de tensão, com apartes ofensivos e comportamentos inapropriados. A afirmação de Miguel Albuquerque encontra fundamento factual. No entanto, a existência de precedentes não justifica a sua repetição, pelo que estes episódios não devem ser encarados como parte “normal” do funcionamento democrático.
O Regimento da Assembleia prevê limites claros para a conduta dos seus membros, podendo mesmo os apartes insultuosos resultarem na expulsão da sala do deputado que os profere.
Nesta linha de análise, recorde-se que, em Junho de 2005, Alberto João Jardim protagonizou outro episódio muito polémico — fora do Parlamento — ao referir-se aos jornalistas do continente como “uns bastardos”. Acrescentou mesmo que preferia usar esse termo em vez de “filhos da p***”, para evitar ofensas ainda maiores, justificando as suas palavras com o argumento de que os jornalistas estariam apenas a “desabafar o ódio” que sentiam por si. O Sindicato dos Jornalistas reagiu de imediato, classificando as declarações como “gravemente ofensivas para os jornalistas e muito preocupantes em democracia”, chegando mesmo a apelar à intervenção do então Presidente da República, Jorge Sampaio.
Sindicato dos Jornalistas apela a intervenção de Sampaio depois de declarações de Jardim
'Nós já sabíamos que o presidente do governo regional da Madeira se porta como um inimputável a coberto das suas imunidades, mas nunca tinha levado tão longe as suas tácticas de arruaça', disse Alfredo Maia, sublinhando que estas palavras 'mostram q