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Fact Check Madeira

A cultura na Madeira está toda a cargo da Região e o Estado nada paga?

Grupo Dançando com a Diferença
Grupo Dançando com a Diferença, Foto ASPRESS

Na última sexta-feira, a Sociedade Metropolitana de Desenvolvimento divulgou ter lançado um concurso público para reabilitar o Centro Cívico do Estreito de Câmara de Lobos. Neste sábado, o DIÁRIO retomou o tema, avaliando a veracidade de quem entende que a generalidade dos madeirenses pouco se importa com as questões culturais. Na sequência desses dois trabalhos, um leitor do DIÁRIO, ligado às questões da cultura, afirmou que “se não fosse a Região, não havia cultura na Madeira” e acrescentou que “o Estado não apoia nada!”.

Terá razão no que afirma?

A verificação dos factos relacionados com a afirmação do leitor será feita, essencialmente, a partir de testemunhos de actores do sector e com recurso a notícias de comunicação social.

Nesses contactos, as garantias que nos foram dadas foram inequívocas e todas no mesmo sentido. Os grandes financiadores da cultura na Região são o Governo Regional e as Câmaras Municipais. Mas o apoio do Estado, através da DGArtes, existe, ainda que seja considerado residual, tendo em conta o sector e não os projectos apoiados.

Vejamos pois, de quem é a responsabilidade de cuidar, apoiar e dinamizar a cultura na Madeira.

Uma das tarefas fundamentais do Estado é, como definido na Constituição, ‘proteger e valorizar o património cultural do povo português’. Nesse âmbito surge a garantia da liberdade de criação cultural. “É livre a criação intelectual, artística e científica. Esta liberdade compreende o direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a proteção legal dos direitos de autor.”

Os direitos e deveres culturais ocupam um capítulo inteiro da Constituição (III).

Especificamente sobre a cultura, o artigo 78.º garante os direitos de fruição cultural e diz que “incumbe ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais: a) Incentivar e assegurar o acesso de todos os cidadãos aos meios e instrumentos de acção cultural, bem como corrigir as assimetrias existentes no país em tal domínio; b) Apoiar as iniciativas que estimulem a criação individual e colectiva (…); c) Promover a salvaguarda e a valorização do património cultural (…); d) Desenvolver as relações culturais com todos os povos (…); e) Articular a política cultural e as demais políticas sectoriais.”

Apesar desta incumbência, tem sido entendimento do Estado central de que o apoio directo à cultura nas Regiões autónomas compete aos respectivos órgãos de governo. Essa tem sido a justificação dadas aos agentes culturais da Região para a não aprovação de projectos, apesar de nos últimos anos ter havido algumas excepções, através da DGArtes.

Esse argumento encontra resistência no artigo 103.º do Estatuto Político Administrativo da Madeira, sobre o princípio da solidariedade. “A solidariedade nacional vincula o Estado a suportar os custos das desigualdades derivadas da insularidade, designadamente no respeitante a transportes, comunicações, energia, educação, cultura, saúde e segurança social, incentivando a progressiva inserção da Região em espaços económicos amplos, de dimensão nacional ou internacional.”

Por outro lado, o mesmo diploma inclui nas matérias de interesse específico da Região, aquelas em que tem autonomia para legislar e/ou em que tem de ser obrigatoriamente ouvidas pelos órgão nacionais, a cultura.  Para efeitos de definição dos poderes legislativos ou de iniciativa legislativa da Região, bem como dos motivos de consulta obrigatória pelos órgãos de soberania (…) constituem matérias de interesse específico, designadamente (…) classificação, protecção e valorização do património cultural.”

Como facilmente se verifica, a cultura é uma área de responsabilidade partilhada, mas o Estado tem cumprido pouco a sua parte. Se não, vejamos. Nos últimos anos, a DGSArtes tem apoiado 2 a 3 projectos na Madeira. Outra ilustração pode ser dada com o PRR, em que na área da cultura, há apenas um projecto em execução na Madeira com dinheiro da parcela nacional, a recuperação do Palácio de São Lourenço, que é património do Estado.

Assim, fazendo fé nos testemunhos que recolhemos, ainda que na condição de as pessoas não serem identificadas, e em factos verificados em notícias publicadas nos últimos anos, avaliamos a afirmação do leitor como imprecisa. Vejamos: “Se não fosse a Região, não havia cultura na Madeira. O Estado não apoia nada!” A primeira parte da afirmação seria verdadeira, mas a segunda não corresponde à verdade, pois há algum financiamento. Mas como isso não coloca em crise o essencial da afirmação, avaliamo-la como imprecisa.

“Se não fosse a Região, não havia cultura na Madeira. O Estado não apoia nada!” – C. Marques, leitor do DIÁRIO em reacção a notícias sobre o Centro Cívico do Estreito de Câmara de Lobos