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Análise

Da “desilusão” à “substância”

A política é por vezes cruel. Mata sonhos pessoais, atraiçoa vontades colectivas e divide mesmo os que se dizem juntos. Não admira que Élia Ascensão admita “desilusão”. Desejada pelo povo de Santa Cruz e disponível para servir a causa em que tem provas dadas foi vítima da decisão da comissão política do JPP que arriscou contrariar as evidências da sondagem que encomendou. Num partido em que quinze valem mais do que seiscentos, em que os principais candidatos autárquicos são já deputados regionais e em que a antiguidade é um posto, há pouca margem para a diferenciação. Resta por isso à ‘vice’ de Filipe Sousa equacionar todos os cenários.

Não é caso único. No PSD gestor de perplexidades, várias escolhas soberanas contrariaram as bases e várias disponibilidades foram ignoradas ou então acomodadas na máquina regional de modo a evitar males maiores. O alvoroço em São Vicente e Ribeira Brava foi habilmente suavizado na Calheta e em Câmara de Lobos, mas de modo geral, há défice de novidade que deve fazer pensar os líderes da geração a aguardar vez e os que, tendo revelado já qualidades inequívocas, nunca são nomeados para nenhum cargo público.

No PS em agonia prolongada, há opções inexplicáveis e incoerências evidentes. Paulo Cafôfo que admitiu manter-se na liderança até às autárquicas para ajudar na preparação das Eleições, deixou claro que cabe apenas às concelhias indicar os candidatos. Se o seu papel neste processo é nulo, os socialistas não só perderam tempo, como algum golpe de asa.

Os lamentos mais ou menos discretos dos que não foram escolhidos para encabeçar listas são legítimos. Nalguns casos resultam de anos de dedicação, de presença constante na vida dos munícipes, de trabalho árduo nos bastidores e no terreno. Tal como são compreensíveis os entusiasmos dos escolhidos e os regozijos de circunstância das suas hostes. Contudo, tanto a gestão da frustração, como da ambição, indicia qual a tipologia de compromisso com a causa pública.

A política devia ser um projecto colectivo. Quem só a concebe a partir do primeiro lugar da lista, ou do protagonismo máximo, confunde liderança com visibilidade e representação com vaidade. Ou seja, servir a comunidade não deveria depender da posição que se ocupa, mas da vontade em contribuir, com lealdade e dedicação, para um desígnio comum.

São necessários protagonistas com tamanha grandeza, bem distintos dos comportamentos infantis de alguns adultos que mandam e que assim comprovam que não há nada mais perigoso do que o poder nas mãos de quem ainda não aprendeu a crescer. Há os que trocam acusações como quem colecciona cromos. Que reagem às críticas com birras. Que usam a mentira como brinquedo. Que fazem da política um recreio sem regras, fértil em criancices que custam recursos, paz social e futuro promissor. O delírio é notório nos parlamentos, nas redes sociais, nos corredores da burocracia, mas sobretudo em quem toma decisões motivado por vaidade, vingança ou medo de perder o lugar.

Não admira que o candidato presidencial Henrique Gouveia e Melo sugira que o País precisa de um Presidente “diferente, estável e confiável”, “acima de disputas partidárias”, que se faça ouvir “usando da palavra com contenção, substância e propriedade”. Se será “capaz de unir, de motivar e dar sentido à esperança” logo se vê, embora deva evitar desde já toda a espécie de perigos que ponham em causa a representação plural definida por vontade popular.