PS tem todos os candidatos autárquicos definidos?
Na tentativa de virar a página da derrota sofrida nas legislativas, António Mendonça Mendes, deputado socialista e uma das vozes experientes do partido, afirmou à CNN que as eleições autárquicas “não são problema para o PS” porque “todos os candidatos estão escolhidos”. A declaração surgiu num momento em que o partido procura projectar estabilidade e unidade, mas não resiste à análise factual, sobretudo no que diz respeito à Madeira.
Na Região, não. As eleições regionais de Setembro de 2023 e as legislativas nacionais de Março de 2024 condicionaram, como é natural, o calendário da preparação autárquica. O processo foi adiado, tal como sucedeu noutros partidos, e ainda decorre de forma assimétrica nos diferentes concelhos. Este é um dado reconhecido por todos os dirigentes atentos à realidade local.
Importa também sublinhar que, estatutariamente, a responsabilidade pela escolha dos candidatos autárquicos cabe às concelhias do Partido Socialista. São estas estruturas que propõem os nomes, submetem as listas à validação dos órgãos competentes e conduzem o processo de articulação com a direcção regional. À direcção, liderada por Paulo Cafôfo, cabe acompanhar politicamente, preparar a campanha e assegurar os recursos necessários. Mas não é a direcção que escolhe os candidatos, embora se saiba que entre o que está escrito e o que acontece na prática vai uma larga distância. Ainda assim, afirmar que o PS já tem todos os candidatos fechados é ignorar a autonomia das estruturas concelhias e a realidade dos seus diferentes ritmos e dinâmicas.
Neste momento, na Madeira, há apenas algumas certezas. Célia Pessegueiro será recandidata à Câmara Municipal da Ponta do Sol, Olavo Câmara avança no Porto Moniz, e o nome indicado para Machico é o de Hugo Marques. Nos restantes concelhos, incluindo câmaras com peso político como Câmara de Lobos, Santa Cruz, Calheta, Santana e, sobretudo, o Funchal, o processo está ainda em curso. Não há nomes anunciados, muito menos ratificados.
O caso do Funchal é particularmente relevante. Trata-se da maior autarquia da Região, foi governada pelo PS entre 2013 e 2021 e tem um valor simbólico e estratégico elevado. A derrota em 2021 foi dura e deixou feridas internas. Miguel Silva Gouveia, que sucedeu a Paulo Cafôfo e liderou a autarquia entre 2019 e 2021, já manifestou publicamente a sua indisponibilidade para regressar como candidato. E quanto a Cafôfo, o cenário é inequívoco: não será candidato à Câmara do Funchal.
Paulo Cafôfo assumiu, de forma clara, que liderará o PS-Madeira até às eleições autárquicas, assegurando estabilidade interna, mas que não será recandidato à liderança do partido. Fá-lo por reconhecer que o ciclo político iniciado em 2019, com a ambição de mudança regional, chegou ao fim. Após as autárquicas, Cafôfo pretende desencadear o processo eleitoral interno e abrir caminho a uma nova liderança. Nesse contexto, a sua candidatura à Câmara do Funchal não só seria incoerente com a sua posição pública, como desprovida de sentido político.
A indefinição em torno de vários concelhos e a ausência de nomes para o Funchal desmentem, de forma clara, as palavras de Mendonça Mendes. A tentativa de passar uma imagem de normalidade e organização colide com a realidade de um partido que ainda está a reorganizar-se e a reconstruir a sua base autárquica. E essa tarefa não é simples.
O PS teve em 2021 um dos seus piores resultados de sempre nas autárquicas da Madeira, ficando reduzido a apenas três câmaras municipais. Nas legislativas de 2024, voltou a perder força, vendo o seu eleitorado migrar para o JPP, Chega e para a abstenção. Reerguer-se neste contexto exigirá escolhas difíceis, tempo, coordenação e candidatos com capacidade de mobilização.
A declaração de Mendonça Mendes, embora dita com o intuito de apaziguar tensões internas, acaba por falsear o estado real da preparação autárquica, pelo menos na Madeira. Não corresponde aos factos e ignora a complexidade de um processo que está longe de concluído. Se as autárquicas não são, por agora, um problema, estão muito longe de estar resolvidas.