Outrora cidadãos, hoje consumidores
“Há muitas maneiras de matar uma pessoa. Cravando-lhe um punhal, tirando-lhe o pão, não tratando a sua doença, condenando-a à miséria, fazendo-a trabalhar até rebentar, impelindo-a ao suicídio, enviando-a para guerra, etc. Só a primeira é proibida pelo Estado” - Bertolt Brecht.
O neoliberalismo, já denominado como a “doutrina invisível”, é um sistema económico e político que defende a redução do papel do Estado na economia, a desregulamentação dos mercados e a privatização de setores públicos, e cujo principal catalisador é a crença na competitividade humana. Embora os defensores argumentem que promove crescimento económico e inovação, na prática, tem sido frequentemente associado ao aumento das desigualdades sociais e à concentração de riqueza nas mãos de poucos, resultando no enriquecimento de uma elite, enquanto para muitos, representa a precariedade económica. A desigualdade gerada pelo neoliberalismo ocorre porque, ao priorizar o mercado livre e minimizar políticas sociais e/ou remete-las para o setor privado, os mais ricos tendem a beneficiar mais, enquanto os mais pobres ficam mais vulneráveis. A precarização do trabalho, o enfraquecimento dos direitos laborais e a redução e/ou ineficiência de serviços públicos essenciais, são consequências diretas deste modelo. Assim, podemos dizer que, para uma enormíssima parte da população, o neoliberalismo contribui para o agravamento das dificuldades económicas e sociais. A “invisibilidade” de que hoje dispõe, está relacionada com a forma como o discurso neoliberal molda a perceção da realidade: o sistema sugere que o sucesso individual é resultado do mérito pessoal, ignorando fatores estruturais como a concentração de riqueza e o acesso desigual a oportunidades. Dessa forma, as desigualdades são muitas vezes aceites como normais ou percecionadas, unicamente como culpa dos próprios indivíduos, em vez de serem interpretadas como consequência de políticas económicas que beneficiam aqueles que já detêm o capital. Além disso, o neoliberalismo influencia não apenas a economia, mas também a política e a cultura, ao ponto de parecer “natural” ou “inevitável”, dificultando assim a criação de alternativas. Isso reforça a ideia de que a sua influência é invisível, mas profundamente impactante. Mas o problema vai além da simples “invisibilidade”. Para além da manipulação da perceção pública, o neoliberalismo também destrói ativamente estruturas de solidariedade e resistência, como sindicatos, movimentos sociais e serviços públicos, agravando ainda mais as desigualdades. Mas não afeta apenas a economia, mas também a ética e a forma como a sociedade encara valores como solidariedade, justiça e bem comum, ao promover uma mentalidade individualista, onde a competição e o lucro são colocados acima do bem-estar coletivo. Vemos isso, por exemplo, na mercantilização de áreas essenciais como a saúde e a educação, transformadas em negócios lucrativos em vez de direitos fundamentais, ou na falta de habitação a preços acessíveis, ou no deteriorar dos serviços públicos de saúde. Mas também na forma como normaliza a exploração laboral, justificando baixos salários e precariedade como “eficiência de mercado”. Essa lógica neoliberal influência também a forma como as pessoas se relacionam, tornando tudo uma transação. No entanto, há quem defenda, ingénua ou maliciosamente, que o problema não está no neoliberalismo em si, mas sim na forma como ele é implementado. Em alguns países, políticas neoliberais foram combinadas com mecanismos de redistribuição de riqueza, como impostos progressivos e aumento e fortificação de programas sociais, tentando equilibrar crescimento e equidade. No geral, se o neoliberalismo for analisado unicamente pelos seus efeitos sobre a maioria da população, podemos argumentar que ele intensifica desigualdades e precariza a existência humana para além de não demonstrar respeito e responsabilidade pela nossa casa comum, o planeta Terra, e cujos recursos não são infinitos. Mas a questão central continua a ser: existe um modelo alternativo capaz de garantir equidade social e respeito pela natureza? Sérgio Latouche propõe o decrescimento económico, defendendo que a sociedade produza menos e consuma menos. Sustenta que é a única maneira de parar a destruição do meio ambiente, que ameaça seriamente o futuro da humanidade. “É preciso uma revolução. Porém, isso não quer dizer que se tenha de massacrar e apertar as pessoas. É preciso uma mudança radical de orientação”. Muito resumidamente, Latouche propõe uma mudança fundamental na forma como as sociedades veem a economia e o progresso, sugerindo que devemos abandonar a obsessão pelo crescimento infinito, elemento e indicador indissociável do neoliberalismo, e abraçar uma abordagem mais equilibrada e sustentável. O seu trabalho é uma crítica profunda às ideologias de consumo e produção desenfreadas, e um apelo a uma reconfiguração das nossas prioridades sociais e ambientais.