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Crónicas

Quem manda aqui?

Pais maduros e saudáveis não exigem obediência. Criam um ambiente seguro, congruente com os seus valores. Mandam se necessário. São responsáveis e flexíveis, conforme a situação. São confiáveis. A isto chama-se liderança

O adulto manda, a criança obedece. O mais forte manda, o mais fraco obedece. E por aí fora. Será?… No meu livro “Gurus de Palmo e Meio”, tenho um capítulo intitulado: “Hierarquia? Sim, para os militares”. Ultimamente, ouvimos muito falar sobre “falta autoridade!”, “já não há respeito!”, “se alguém mandasse em casa, não eram como são!”… Nós, agora pais, somos (maioritariamente) filhos de gerações de obediência, certo? Então, como é que é possível que o mundo esteja pejado de desobediência e desrespeito? Parece claro que algo falhou.

Vamos por partes, tendo em consideração que se exclui deste raciocínio todas as situações em que alguém está em perigo e uma ordem direta salva a vida (seja no conceito metafórico ou explícito), e todas as situações em que é urgente criar ordem, por oposição ao caos. Lembrando ainda que a obediência, ela não é boa, nem é má e que sim, muitas vezes, é preciso que alguém mande, para que outros obedeçam.

O que todos necessitamos, desde que nascemos, pela vida fora, em todas as relações que vamos desenvolvendo, familiares, de amor, de amizade, de trabalho, sobretudo connosco próprios, não tem nada a ver com obediência, hierarquia e abuso de poder. Quando somos crianças e crescemos num modelo educacional mais tradicional, hierárquico e de obediência, ficamos fora do círculo, não somos parte dele, a menos que nos comportemos exatamente da forma que é esperada. Por outro lado, quando há permissividade, ficamos no centro do círculo e tudo gira à nossa volta e das nossas vontades. O terapeuta familiar Jesper Juul dizia que: “Uma criança que sente que está sempre no centro, não se sente parte do todo”. E quando não nos sentimos parte do todo, também não sentimos a vontade alguma de cooperar e colaborar naturalmente.

Em muitas situações, quando alguém manda e outro obedece, estamos perante (ou dentro) de um jogo de poder. Uma parte é mais forte e domina pela força (verbal, física ou psicológica). Onde fica o espaço para o pensamento crítico? Onde está o espaço para o diálogo entre as partes? É bom termos presente que a comunicação está para a relação como a respiração para manter a vida.

Quando alguém nos dá uma ordem – alguém que normalmente tem um poder hierárquico acima do nosso ou tem uma espécie de autoridade mental e emocional sobre nós e nós obedecemos, então cumprimos aquilo que nos foi ordenado. Mas: Essa ordem viola os nossos valores? Viola a nossa integridade ou a integridade de outros?

É urgente aprendermos todos a questionar de uma forma respeitosa, que não fira a integridade do outro e que defenda a sua própria integridade. Isso e aprendermos a comunicar através da comunicação consciente, não violenta.

Parece-me mesmo muito urgente (pais, educadores, professores) que aprendamos a gerir entre a obediência e a cooperação. É muito diferente ter como intenção que alguém nos obedeça, de ter como intenção que alguém colabore/ coopere connosco.

No primeiro caso ditamos a ordem que alguém deverá seguir e cumprir de acordo com as nossas instruções e vontades, independentemente da forma como o outro pensa e se sente, porque somos a autoridade.

O segundo caso, que só acontece quando existem intenções e objectivos bem definidos, para os quais houve concordância e consentimento, pede influência, às vezes exige um processo de negociação. Pede presença, responsabilidade pessoal e flexibilidade. E é muito curioso perceber que funciona muito bem quando neste processo existe um líder que assuma a responsabilidade da tomada de decisão (podem ser os pais, professores, um dos elementos do casal…).

Procuramos demasiados métodos para mudar os comportamentos, para que os outros encaixem dentro das nossas regras. Em vez de pormos as nossas próprias atitudes em causa, criticamos as atitudes das crianças, dos maridos/ mulheres, dos demais. Lutamos para que sejam obedientes. Infelizmente, parece que estamos mais preocupados em ter razão do que em ser respeitadores e felizes.

Num mundo cada vez mais polarizado, quanto mais depressa colocarmos em prática a cooperação saudável, melhor. Até porque, isto não significa que vamos sempre fazer o que queremos. Não. Só que, quando existe um ambiente de cooperação, colaboramos mais facilmente.

Por exemplo, quando dizemos a um filho: “vai colocar o lixo”, e ele vai, é uma obediência. Mas não é cega. Tem por base a cooperação. É uma obediência informada e consentida e está baseada numa relação onde existe igual valor/ dignidade e colaboração. Muito diferente de dizermos ou escutarmos: “Esta é a minha casa, são as minhas regras e vais fazer o que eu te estou a mandar!”

No início desta crónica falava de estar dentro ou fora do círculo. Acredito que vivemos todos melhor quando estamos juntos no círculo, no qual existe um líder, permitindo que os colaboradores se sintam vistos e reconhecidos, ganhando a clara percepção que o seu contributo é importante para o círculo. O que é que isto nos traz? Deixamos de sentir necessidade de estar permanentemente a defender a nossa integridade, de estar do contra, em modo desafio ou de questionar os pedidos que nos são feitos. Quando sentimos que temos de estar constantemente a lutar pela nossa integridade, temos uma maior necessidade de questionar qualquer pedido de outras pessoas, mesmo que não sejam ordens. Por exemplo, o adolescente a quem foi pedido para colocar o lixo. Ele poderia responder algo como: “Por que é que tenho que colocar o lixo se eu nem estive em casa no fim de semana e não fiz lixo?!” Ora, se obedecer não é bom nem mau, o que se questiona aqui é se a obediência é cega ou forçada ou se, pelo contrário, é instruída e voluntária. A maior resistência à colaboração que se encontra é de quem nem sequer experimentou uma vez comunicar de forma diferente e que acha que a autoridade é ganha por causa de uma certa posição hierárquica, idade, género, título, eleição, etc. No entanto, a autoridade ganha-se pela forma como nos relacionamos com os demais. E quanto mais os outros se sentem respeitados por nós, mais autoridade temos. Quanto mais conseguimos colaborar com os outros, mais autoridade temos.

Quando estamos todos no círculo, existe uma confiança base de que o líder nos quer bem. Isso permite que, numa situação de crise, em que o líder pode precisar de dar uma ordem, a probabilidade de sucesso dessa ordem aumente nesse tipo de relação. É assim que se conquista o respeito, não é pelo medo. Até porque com medo o nosso cérebro perde a capacidade de analisar, de raciocionar e criar. Eu não quero que os meus filhos (uma criança e dois adolescentes a entrar na vida adulta) sintam medo de mim. Eu quero que eles sintam que são parte do círculo, sintam que fazem a diferença, que o seu contributo é essencial, que são vistos e respeitados por quem são. Até agora, está a correr bem, mesmo quando recebem uma ordem direta. Saúde mental e força emocional nascem daqui.

Não estamos a educar crianças, estamos a educar futuros adultos. Futuros líderes. Aqueles que um dia cuidarão do nosso mundo e de nós, quando estivermos em final de vida.