É habitual membros do Governo da República nas tomadas de posse do GR?
A presença do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, na tomada de posse do XVII Governo Regional da Madeira, no passado dia 15 de Abril, relançou uma discussão que há muito se arrasta nos bastidores da política regional: é ou não habitual a presença de membros do Governo da República nestas cerimónias? Paulo Rangel disse que sim.
Declaração recente de Paulo Rangel reabre debate sobre a regularidade da participação de membros do Governo da República nas cerimónias oficiais da Região Autónoma. Registos históricos e testemunhos mostram que a prática tem sido pontual e marcada por ocasiões muito específicas.
Rangel, na tomada de posse, afirmou que os membros do Governo da República têm vindo às cerimónias protocolares do Governo Regional. A declaração, feita num contexto de proximidade institucional, pode transmitir a ideia de que essa é uma prática corrente. Contudo, a verdade histórica e factual aponta numa direcção diferente.
Uma análise dos últimos 20 anos revela que a participação de figuras do Governo da República nas cerimónias de investidura do executivo madeirense tem sido, na realidade, rara. O que se verifica são presenças pontuais, associadas a momentos políticos específicos, mas nunca uma prática sistemática.
Em 2004, por exemplo, durante a tomada de posse de Alberto João Jardim para o seu nono mandato à frente do Governo Regional, marcou presença na Região o então Ministro da Presidência, Nuno Morais Sarmento. A ocasião foi noticiada como excepcional e mereceu destaque pelo peso institucional do momento. Na altura, a vinda de Morais Sarmento foi entendida como sinal de estabilidade nas relações entre Lisboa e o Funchal, apesar das naturais tensões entre os dois centros de poder.
Mais tarde, em 2019, na tomada de posse do XIII Governo Regional da Madeira, a líder do CDS-PP, Assunção Cristas, fez questão de estar presente. Apesar de não integrar o Governo da República, Cristas justificou a sua presença por motivos políticos: era a primeira vez que o CDS entrava num governo de coligação na Região, formando executivo com o PSD. A presença teve, por isso, valor simbólico e partidário, mas não representou formalmente o Executivo nacional, então liderado por António Costa.
As imagens recentes da cerimónia de 2025 mostram Paulo Rangel sentado entre altas entidades regionais e locais, gesto que visivelmente procurou reforçar uma nova fase de maior proximidade entre o Governo central e a Madeira. No entanto, este momento contrasta com o padrão habitual das anteriores tomadas de posse, em que a ausência de ministros da República era a norma.
Importa sublinhar que, do ponto de vista legal e protocolar, não existe qualquer obrigação da presença de ministros da República nas cerimónias de posse dos governos regionais. Estes actos são da competência da Assembleia Legislativa da Madeira e do Representante da República, e inscrevem-se dentro da autonomia constitucionalmente consagrada. A presença de membros do Governo da República é, por isso, uma decisão política e simbólica, mas não mandatória.
Ainda assim, a sua eventual repetição futura poderá marcar um novo estilo de relacionamento entre Lisboa e o Funchal, algo que vários analistas políticos da Região têm vindo a sublinhar. Com o novo Governo Regional em funções e num contexto em que a autonomia volta a estar no centro do debate político nacional, gestos como o de Rangel podem ser mais do que excepções pontuais e tornar-se uma nova abordagem institucional.
A percepção entre a população regional, porém, continua a ser marcada por alguma desconfiança. O histórico de tensões, acusações de desinvestimento e ausência de diálogo com o Governo da República deixou raízes profundas, especialmente entre os madeirenses mais atentos à política regional. Para muitos, a falta de presença contínua de ministros da República ao longo dos anos foi vista como desinteresse, nalguns casos até pior, numa clara desvalorização da especificidade e importância da Madeira.
Conclusão
A presença de Paulo Rangel na cerimónia de tomada de posse do XVII Governo Regional foi, de facto, significativa mas também excepcional. Ao contrário do que as palavras do próprio ministro poderiam sugerir, os registos históricos mostram que os membros do Governo da República raramente estiveram presentes nestes momentos institucionais. As participações anteriores, como as de Morais Sarmento em 2004 ou de Assunção Cristas em 2019, foram episódicas e ligadas a contextos muito concretos. Se este gesto sinaliza uma nova era de proximidade institucional, só o tempo o dirá. Para já, a história mostra que, até aqui, estas presenças têm sido mais a excepção do que a regra.