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Análise

Lugar aos novos

Mal vai a democracia que não abre vaga a quem sente que servir é uma honra

Da instalação emocionada e sem sobressaltos na ALM, com uma escolha histórica para a presidência e uma alteração geográfica que afasta o Chega da maioria e da direita parlamentar, sobram palavras de fartura e um sinal dos tempos, porventura merecedor de reflexão.

É que dez dos eleitos a 23 de Março não tomaram posse na passada quinta-feira. Uns porque formalmente impedidos já que são ainda membros do Governo Regional. Outros porque chefes de gabinete e presidentes de Câmara. Quase todos, e não só os do partido do poder, porque acumulam cargos e candidaturas e, à vez, suspendem mandatos para que esta política em circuito fechado vá satisfazendo caprichos e clientelas. Aliás, só houve nove deputados estreantes, alguns de curta duração, à conta da substituição forçada e desta confrangedora ocupação sistemática dos lugares por parte dos mesmos de sempre - talvez por serem excelentes! - mas que não dão para as encomendas, nem têm o dom da ubiquidade. 30 anos num parlamento até pode ser motivo de satisfação pessoal, mas obriga a repensar procedimentos num sistema que privilegia um padrão que compromete a renovação política, pois os mesmos protagonistas voltam, ciclo após ciclo, a disputar eleições de todo o género e a ocupar o centro do debate público. Essa continuidade, por vezes alimentada por capital político acumulado, estruturas partidárias avessas ao rejuvenescimento ou gozo de boa visibilidade mediática, tem contribuído para uma crescente desconfiança e afastamento dos cidadãos da vida pública. Não é que faltem ideias, talento ou vontade em participar. Não é que as pessoas que por mérito um dia foram chamadas a intervir estejam em causa e a mais. Não é que o futuro colectivo possa estar em risco. Contudo, importa tornar a causa pública atractiva, dotada de prestígio, sentido e horizonte para que novos protagonistas queiram assumir tamanho desafio.

A percepção dominante é a de que a política se tornou um espaço impermeável e reservado a quem já lá está. O peso das influências, o desgaste constante provocado pela exposição pública e a crescente hostilidade nas redes sociais tornam-na pouco sedutora. Acresce a dificuldade de conciliar o compromisso público com a vida pessoal, bem como a frustração gerada pela lentidão dos processos institucionais. Tudo isto afasta quem a democracia mais precisa, gente com visão, com sentido de comunidade e com disponibilidade para servir.

Agora que há tempo de sobra para pensar, é urgente mudar o foco para que a política não se resuma à ocupação de cargos, ao exercício da denúncia inconsequente ou à satisfação dos egos. Como? Criando condições reais para que os novos possam emergir, o que implica democratizar os partidos e abrir as listas a cidadãos com trajectos diversos. Mas também apoiar movimentos cívicos e candidaturas independentes com impacto local e investir em educação para a cidadania e programas de formação em liderança.

A democracia precisa de novas vozes. De quem traga causas e não apenas ambições. De quem queira fazer diferente e melhor. De um ecossistema saudável que gere responsabilidade. Até porque ninguém se compromete com aquilo em que já não acredita.