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Regionais 2025 Madeira

A idealista

Raquel Coelho, líder do PTP, é a cabeça-de-lista da Coligação 'Força Madeira', que junta também MPT e RIR, numa das poucas candidaturas à eleição legislativa regional de 23 de Março que tem mais mulheres que homens, que quer ser o "fiel da balança do povo da Madeira" contra a corrupção

Como a grande maioria dos madeirenses no último meio século, Raquel da Conceição Vieira Coelho não fugiu à regra e nasceu no Hospital Dr. Nélio Mendonça. No ido dia 2 de Julho de 1988, fará este ano 37 anos, “vim ao mundo por cesariana”. Com 4,5 quilos, “não havia outra hipótese (risos)”, atira ao contar os primeiros momentos neste mundo.

Filha mais velha de José Manuel Coelho e Rita Jesus, foi o pai que escolheu o nome, Raquel, “inspirado na história bíblica imortalizada no soneto de Camões”, intitulado “Sete anos de pastor Jacob servia”.

E recita:

“Sete anos de pastor Jacob servia

Labão, pai de Raquel, serrana bela;

mas não servia ao pai, servia a ela,

e a ela só por prémio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,

passava, contentando se com vê la;

porém o pai, usando de cautela,

em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos

lhe fora assi negada a sua pastora,

como se a não tivera merecida;

começa de servir outros sete anos,

dizendo:-Mais servira, se não fora

para tão longo amor tão curta a vida.”

Já a irmã chama-se Catarina, “em homenagem a Catarina Eufémia, a ceifeira alentejana assassinada a tiro por um tenente da Guarda Nacional Republicana durante uma greve. Um símbolo de resistência ao regime de Salazar”, conta.

Além da origem bíblica do nome, Raquel é do signo Caranguejo. “Aparentemente um signo ligado às causas”, diz. “Explicou-me isso, certa vez, Rodrigo Trancoso, ex-deputado do Bloco de Esquerda e entusiasta da astrologia”, conta.

Mas a sua ligação à política parece que está mesmo no sangue, nos ascendentes. “O meu avô queria que eu fosse batizada na Igreja Adventista, da qual era devoto, mas acabei por ser educada na fé católica”, começa por desfiar.

Por isso, estudou no “Externato do Hospício Princesa Dona Maria Amélia até à 4.ª Classe”, além de que, como a mãe trabalhava no orfanato da instituição, esse foi “um espaço que frequentei diariamente. Recordo com carinho todas as jovens lá acolhidas, as funcionárias e as irmãs (freiras) que dedicaram a vida àquele lugar. A irmã Maria Antónia, que já faleceu, foi um exemplo de humanidade. Ensinou-me a ler. Era uma educação à antiga, mas com valores”, recorda.

Os primeiros passos neste mundo são importantes para a formação do carácter. “Foi através do contacto diário com o trabalho da minha mãe que ganhei consciência do privilégio que é ter uma família e, na ausência desta, da importância do Estado Social”, revela. “Não damos o devido valor ao trabalho destas instituições e ao impacto positivo do Estado na vida das pessoas. Pude acompanhar isso de perto e, por isso, vejo com estranheza e indignação partidos que defendem o seu desmantelamento”, começa a apontar a inclinação ideológica bem vincada.

A parte mais importante da formação do carácter vem, naturalmente dos pais e, como referido, do passado ainda mais distante.

“O meu pai dispensa apresentações. Espírito livre. Irreverente. Comunista convicto da doutrina. Um exímio contador de histórias. Apesar das nossas origens humildes, talvez seja das pessoas mais cultas que conheço”, elogia. E continua: “Tem uma memória irrepreensível e uma paixão pela leitura. É também um apaixonado pela agricultura. Ensinou-me a importância da tolerância e da democracia. Como disse certa vez o deputado Edgar Silva, da CDU: ‘Ninguém nasce democrata, aprende-se a sê-lo’.”

No passado, recorda o avô paterno. “José Vieira Coelho foi, provavelmente, um dos últimos poetas populares madeirenses a declamar e vender, por toda a ilha, histórias em verso da sua autoria, impressas em folhetos”, acredita. “A sua obra reflectia a Madeira dos anos 60, os casos mais polémicos da época, sempre com uma lição de moral. Escreveu a história do assalto ao paquete ‘Santo Maria’, em versos. Deixo aqui alguns dos meus versos favoritos do meu avô”:

“Ter mãe é termos riqueza

Digo isto com verdade

Quem a tem vive à grandeza

Quanto à minha é só saudade

Para eu escrever estes versos

Eu tive muita maçada

Os senhores que me desculpem

De alguma palavra errada

Não escutes o maldizente

Quando te diz o mal de alguém

Porque ao sair da tua frente

Diz o mal de ti também”

Já a avó paterna, “após uma desilusão amorosa (os seus pais não a deixaram casar com o rapaz de quem gostava), decidiu ser freira na Congregação das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias, mas não se integrou”, continua a recordar. “Não concordava com o tratamento desigual que era dado entre as noviças pobres e as ricas. As meninas ricas tinham melhor alimentação, podiam estudar enfermagem ou ser professoras. As de origens humildes não tinham direito a estudar, serviam para trabalhar na cozinha ou para trabalhar em auxiliares de ação médica”. Só por aqui já se percebe que qualquer pessoa de espírito crítico teria natural tendência para se indignar.

“Como a minha avó criticava a discriminação que havia entre as noviças, acabou castigada pela fundadora da congregação a famosa Mary Jane Wilson”, diz. Exactamente a mesma que é conhecida entre os madeirenses como a ‘Boa Mãe’ que, em 2013, foi declarada Venerável pelo Papa Francisco. A avó “acabou por abandonar o hábito e em consequência da revolta que sentiu, decidiu aderir anos depois aos Adventistas do Sétimo Dia. Juntamente com o meu avô, para desgosto da restante família. Na altura ser de outra religião, era uma vergonha e um sacrilégio”, lembra Raquel.

E essa mudança teve reflexos no futuro. Vejamos. “Os meus avós paternos seguiam os ensinamentos de Ellen G. White autora americana e co-fundadora da Igreja Adventista do Sétimo Dia, curiosamente das primeiras personalidades a defender o vegetarianismo publicamente”. Aliás, “uma das suas famosas citações é ‘os animais veem, ouvem, amam e sofrem’. Tentamos seguir esse exemplo, ainda que de forma menos rigorosa - evito comer carne e procuro incentivar os que me rodeiam a fazer o mesmo. Alguns amigos dizem que me vão bloquear nas redes sociais se continuar a enviar-lhes vídeos da PETA (risos)”, ironiza.

O amor pelos animais, amplamente conhecido e publicitado inclusive em cartazes de campanha, é explicado pela activista, naturalmente, da causa animal. “Temos três cães na família que todos adoramos: o Simba, o Benjamim e a Nala. Foram resgatados da rua. Cuido sempre que posso dos animais de rua na minha vizinhança. Em compensação, tenho sempre uma boa escolta de seguranças sempre que saio de casa”, atira, novamente com ironia.

Licenciada em Gestão de Empresas, fez também formação em Programação. “Estudei em Faro e Lisboa”, especifica. “Felizmente, não há um único período da minha vida que não recorde com saudade, e os anos de universidade são um desses tempos especiais. Hoje, exerço a profissão de gestora de imóveis”.

Quanto a ‘hobbies’, gosta de viajar, fazer praia, ver séries, de ler – “neste momento, estou a ler a ‘Tetralogia Napolitana’, escrita por Elena Ferrante” - e de, claro, animais. Não só cães, mas também gatos.

Em termos políticos, Raquel Coelho “não tem nenhum lema de vida, “para além de fazer e defender aquilo que acredito”. E garante: “Sou uma pessoa de convicções, mas também muito pragmática. Não vou inventar a roda. Acho que temos de começar com os princípios e valores básicos e partir daí.” Por isso é que se define como ‘a idealista’.

Quando Raquel Coelho foi a candidata mais jovem às eleições de 6 de Maio de 2007 para a Assembleia Regional, tinha 18 anos, à beira de completar 19. Foi 35.ª na lista do extinto partido da Nova Democracia. Estabeleceu novo máximo que até hoje está por ser batido. Foi a primeira líder parlamentar, mulher e mais jovem da história da Assembleia Legislativa, nas legislativas de 9 de Outubro de 2011, quando o PTP elegeu 3 deputados. Exerceu o mandato de deputada ao longo de duas legislaturas.

Mas para chegar a esse currículo é preciso recuar novamente no tempo. “O primeiro contacto que tive da política foi através do meu pai que era militante activo do Partido Comunista Português”, como qualquer eleitor madeirense minimamente atento se recordará. Bem, talvez não os mais jovens.

“Recordo-me dos convívios organizados pelo partido e das idas no mês de Setembro à Festa do Avante. Apanhei o gosto pela leitura, com cerca de 8 anos, graças a uns camaradas que me presentearam a coleção de livros infantis e juvenis que haviam pertencido às suas filhas, que ainda hoje guardo religiosamente”, conta. Esse senhor “chegou a ser presidente da Junta de Freguesia do Barreiro, Raul Malacão, pela APU. Recordo-me também de acompanhar o meu pai aos fins-de-semana que aproveitava para vender o Jornal Avante, a revista ‘Vida Soviética’ e a revista ‘Mulheres’ da Maria Teresa Horta que faleceu recentemente. Ele chegou a ganhar uma viagem à União Soviética como prémio por ser um dos melhores vendedores do país do Jornal Avante”, assinala.

Assim, “entrei na política quase por acaso, por uma daquelas coincidências que acabam por mudar o rumo da vida”, garante. “Não havia mais ninguém para avançar, sobretudo mulheres e eu, sem grandes cálculos nem grandes planos, aceitei ir numa lista de candidatos do PND e depois do PTP, para ajudar a completar a lista”. Precisamente a questão da paridade que tanto ainda se fala e que a nova lei eleitoral, que não será ainda aplicada, obriga a ter pelo menos 40% dos candidatos homens ou mulheres.

“Nunca esteve nos meus horizontes fazer carreira política, mas sempre me indignei com as injustiças”, continua. “Talvez tenha sido idealismo. Ou apenas a certeza de que não valia a pena continuar a criticar sem estar disposta a agir. Sempre acreditei que a política devia servir para melhorar a vida das pessoas. Foi por isso que entrei. E, ainda, é por isso que continuo. Também continuo pelas pessoas que me guiaram nesses primeiros passos, como é o caso do meu pai, do camarada Quintino Costa, e do grupo ligado ao jornal Garajau, o Dionísio Andrade, o Gil Canha, o Baltazar Aguiar e o Eduardo Welsh. Para dar continuidade à luta. Porque, quando se percebe verdadeiramente o que está em causa, torna-se difícil simplesmente virar a cara aos problemas e às injustiças”, diz ‘a idealista’.

A sua eleição a presidente do PTP Madeira no último dia de Novembro de 2024, sucedendo a na liderança do partido a Quintino Costa, que tinha sucedido a José Manuel Coelho.

Termina com o presente e o futuro. “A ideia da coligação ‘Força Madeira’ começou com conversas informais, em tom de brincadeira, após as saídas dos debates da RTP-Madeira em que o PTP, o MPT e o RIR participaram. Longe de imaginar que poderiam de facto avançar. O facto é que a unidade foi fazendo cada vez mais sentido entre os seus representantes com o passar dos meses e com a situação de impasse político que a Madeira se encontra”, diz.

Raquel Coelho e Liana Reis, líder do RIR na Madeira (que juntamente com Valter Rodrigues do MPT formam uma das duas coligações destas eleições) estiveram junto do Tribunal Constitucional “numa foto informal após a entrega da pedido da constituição da Coligação do PTP.MPT.RIR”, contava num post nas redes sociais: “Quisemos fazer o registo para a posteridade. Com certeza já temos o nosso lugar no céu, depois de pagar a penitência do caminho do Calvário que é a burocracia para concorrer a um acto eleitoral neste país. O sistema político e a lei eleitoral está desenhada para os políticos profissionais. Persistência é a chave. Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”.

Agora, acredita, “ninguém pára a ‘Força Madeira’”. Depois do ligeiro impasse com a designação da Coligação que, inicialmente, queria ficar como Coligação ‘Zarco’, lembrando o nome do descobridor da Madeira e, ao mesmo tempo, fazer a ponte para a ‘Operação Zarco’ que levou a Madeira ao estado político que se encontra, a pré-campanha inicia-se com o objectivo de eleger pelo menos um deputado. Raquel Coelho acredita que, “juntos, seremos o fiel da balança do povo da Madeira”.