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Caramba deixa de ser tonto. Um texto provocador e uma realidade

Já viste nascer um preto? Qual a cor da sua pele à nascença?

Há, não me digas que é branco? Pois é! É igual a ti, que não gostas de pretos! Mesmo o mais branco dos brancos, afirma: trabalho é bom para preto. Qual é o mestiço que diz que o pai é preto? Ou que a mãe é preta? Ele próprio é branco-escuro. Qual é aquele, que entende que ele é um ser igual, em direitos ao outro. Não, eu sou mais do que ele! Eu tive berço, ele não! Eu tenho estudos, ele é um bruto! Eu apoio o governo, ele é rasca de um sindicalista! Eu trabalho, estou-me nas tintas para ele, que não quer defender os direitos do trabalho. Que se lixe! Eu , tenho a proteção de Deus.

Eu tenho amigos poderosos: o deputado, o ministro, o presidente da câmara, o notário, aquele da judiciária, o outro da PSP, o juiz A, o doutor B. Ele é um desgraçado que está só, não tem ninguém! Eu conheço toda a gente na Saúde, nas finanças, na polícia na universidade. Eu passo à frente, entro pela outra porta, não estou na fila à espera. Para mim, que me estou nas tintas para a política. Só me interessa ter o contacto com os poderosos para me safar. Mando-lhes uma bebidas, nunca me esqueço das datas de importância para eles. Estou-me nas tintas para a política. Eu sou democrata, voto naqueles que me ajudam a safar-me. Eu até não sou contra o 25 de Abril. Afinal somos todos iguais, mas eu sou igual a mim. Eu tenho poder, influência e safo-me, ele que se desenrasque. O meu advogado trata de tudo, quando me roubam o carro, falo com a polícia eles encontram-no de certeza. Ele anda de metro, é um bruto, nem consegue poupar para ter carro. Eu bebo uísque velho, vinho bom, como nos bons restaurantes. Aquele macaco, que tantas vezes lhe dei conselhos, traz a marmita de casa, bebe à farta vinho rasca e bagaço. Aquele gajo é um bruto. Já lhe disse: Deixa-te de política, manda os sindicatos embora . Só te dou bons conselhos. Esses gajos da política querem safar-se, e nós é que nos lixamos. Nós? Chatice! Já me esquecia que sou diferente dele. Eu tenho sucesso ele é uma nulidade. Eu consigo descontos bancários, devo tanto dinheiro que se me obrigassem de imediato a pagar o que devo, era um “teso” como ele. Mas eu sou inteligente, optei por me dar bem com os poderosos, vivo bem, mesmo acima da média, os pobres que paguem a crise. Sabes lá, quanto ganho em extras? Estou-me nas tintas para a inflação. Estou feito com o chefe, ele assina-me tudo. Eu safo-me. Tu és estúpido, fazes greve, lixas-te porque dás com a língua nos dentes. Aquele meteu-se numa zaragata foi internado num hospital. Era desordeiro! Ele não ouviu os meus conselhos. Eu bebo, ando a duzentos à hora, ninguém me faz mal. Eu sou amigo da polícia. Tenho atestados médicos de gente grossa que me defende, não vou a tribunal. Os advogados ajudam-me. Estou na maior. Aquele gajo é mesmo burro. É orgulhoso! Tem a mania que pensa pela sua cabeça está sempre na “fossa”. Eu já lhe disse, que somos diferentes, ele fala-me dos direitos do povo à Saúde, à educação ao trabalho! O gajo é estúpido. Alguém lhe arranja um bom “tacho”, se anda metido com os sindicatos? Se manda bocas contra os capitalistas! Alguém o trata bem na polícia, se ele reclama os seus direitos? Estúpido! Já lhe disse, faz-te com eles, bate a bola baixinho, “engraxa” os tipos. Ele entende que o filho dele é tão inteligente como o meu! Por acaso , até é verdade! Só que esse gajo se esquece, que eu conheço o sujeito que trata das “bolsas”. Eu até posso pagar a Universidade, mas arranjei uma cunha. O meu filho foi para a universidade pública e ainda tem uma bolsa, que lhe dá para pagar a mensalidade do carro e gasolina. Ele armou-se em esperto! Está lixado. O filho trabalha como tarefeiro aqui e acolá, e já é um pau. À noite anda na privada, come mal, anda estoirado. Espero que não seja teimoso como o pai. Aquele gajo é teimoso, basta ter “jogo de cintura” e não ser do contra. A vida são dois dias, mas ele entende que vai transformar o mundo. Não vai passar da cepa torta. Tenho pena dele, não me ouve. Bastava-lhe juntar-se a nós, era humilde, comia os restos dos ricos e já era um tipo remediado. Não, assim não. Quando o vejo lá na rua, mudo de sentido, não quero ser confundido com ele. Já te disse: Somos amigos de longa data, mas se eu estiver com gente importante passas a tratar-me por senhor A, por doutor, por engenheiro. Eu sou igual a ti, mas sabes é conveniente que eles não saibam que somos amigos. Quero que saibas que sou teu amigo e deves ter cuidado com a língua. Dá uma no cravo outra na ferradura. Ainda estás a tempo de mudar. Vês o que eu tenho! Tu és um desgraçado. Quando eu for para a reforma vou ter uma reforma dez vezes a tua. Tens de compreender que és o único culpado! Nunca me ouviste! Foste contestatário, tiveste processos disciplinares, foste despedido várias vezes. Fizeste greve, não mudou nada. Os chefes do sindicato estão na maior, tu és um desgraçado! Tu és da Esquerda. Pensa no que eu te digo. Isto da vida é como na bola, é preciso estar bem colocado. Agarrar as oportunidades com as duas mãos. Lembra-te sempre disso. Haverá sempre pobres e ricos, inteligentes e brutos. Deixa-te de contestar e verás que te safas! Isto agora está magro, mas em breve vai mudar. Os gajos que contestarem ainda mais se vão lixar. A mania de estares contra o “pessoal” da massa de nada serve! O dinheiro é deles, podem tudo. Não te enganes, do padre ao notário, do escrivão ao juiz, do polícia ao chefe, do contínuo ao presidente da secretária aos deputados, tudo está oleado. Vem para o nosso lado, ainda podes ser contínuo, ou talvez operário classificado, de certeza que te safas desde que mudes para melhor. Junta-te aos vencedores. A vitória é dos fortes, tu só te ligas com os fracos, como te queres safar?

O José não foi na conversa do amigo da onça, era eletricista há 10 anos, estudou Medicina, é dirigente da FNAM e destacado apoiante da próxima greve geral. O falso amigo que foi jornalista, teve diversos cargos de assessoria no governo, era um troca tintas caiu em desgraça. Os influentes deixaram-no no fundo do poço. Há dias chamei um táxi, e para meu espanto, tive como motorista o homem que tinha toda a gente no papo.