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Explicador Madeira

Negligência: falta de cuidado também é violência

Na semana em que se assinalou o Dia Internacional dos Direitos da Criança, celebrado anualmente a 20 de Novembro, importa reflectir sobre o conceito de negligência.

"Estudos apontam que a negligência é tão prejudicial quanto a violência explícita, no que diz respeito ao desenvolvimento físico, psicológico e emocional da criança", sublinha o SNS24, a propósito da prevenção da violência contra crianças e jovens.

Como se define a negligência infantil?

Entende-se por negligência a incapacidade de assegurar a satisfação das necessidades básicas da criança ou jovem, indispensáveis para o seu crescimento e desenvolvimento adequados. 

De acordo com a OMS (2020) a negligência corresponde à falha dos pais ou cuidadores em garantir o desenvolvimento da criança, seja a nível da saúde, educação, abrigo, nutrição, condições de vida seguras.

A negligência é considerada uma forma de violência.

Por ser um ato silencioso, é também fácil de negar pelo facto de não deixar marcas visíveis (Rodrigues, 2020), o que torna difícil a sua detecção. Importa referir que, a qualquer tipo de negligência, como a qualquer abuso, acresce sempre sofrimento psicológico (Abreu, 2020) in Couto, Catarina Fardilha do (2022) pp 22

A negligência infantil engloba:

  • carência de necessidades básicas, como a higiene, alimentação, afecto, educação, saúde, segurança, habitação;
  • abandono da criança;
  • mendicidade (pedir dinheiro na rua).

Esta forma de violência contra crianças e jovens pode ocorrer de forma:

  • intencional, quando há intenção de provocar dano à vítima;
  • não intencional, por incompetência ou incapacidade de quem deve prestar os cuidados.

Tipologias dos Maus Tratos: Abuso e Negligência

De acordo com Magalhães (2004), os maus-tratos podem ser divididos entre comportamentos activos e comportamentos passivos. Os primeiros correspondem ao abuso — físico, psicológico e sexual — enquanto os segundos dizem respeito à negligência — física, psicológica, médica e educacional.

Abuso Físico

O abuso físico corresponde ao uso não acidental de força física infligida pelos pais ou cuidadores e que pode resultar em lesão ou morte. Inclui empurrões, murros, queimaduras, mordeduras, pontapés, entre outros atos.
Por deixarem marcas visíveis, estes maus-tratos são geralmente os mais fáceis de identificar (Rodrigues, 2020). Em alguns casos, os atos são praticados intencionalmente pelos cuidadores, por fazerem parte das suas práticas parentais.

Abuso Psicológico

De acordo com Magalhães (2004), os maus-tratos psicológicos caracterizam-se pela ausência constante de satisfação das necessidades emocionais e físicas da criança.
Este tipo de abuso inclui ameaças, dor e sofrimento psicológico, por meios verbais ou não verbais, bem como atos de rejeição e humilhação, privando a criança de segurança e bem-estar afetivo (Magalhães, 2010a, 2010b).
Segundo Alberto (2010), o abuso psicológico pode surgir isoladamente, mas está frequentemente associado a outras formas de maus-tratos.

Abuso Sexual

O abuso sexual resulta do envolvimento ou sujeição da criança a atos de natureza sexual por parte de um adulto (ou jovem mais velho), visando a gratificação sexual deste (Vidal Alves, 2018).
Pode ocorrer dentro ou fora do contexto familiar, podendo prolongar-se desde a infância até à idade adulta (Rodrigues, 2020).
Assenta numa relação de poder e, devido à idade ou desenvolvimento, a criança pode não compreender que está a ser vítima, nem ter capacidade para consentir (DGS, 2018).

Negligência Física

Caracteriza-se pela falta ou insuficiência de alimentação, higiene, vestuário, cuidados de saúde, abrigo, segurança e proteção essenciais.
Verifica-se quando os cuidadores não conseguem providenciar estas necessidades, sendo necessária intervenção num sentido construtivo.

Negligência Psicológica

A negligência psicológica ocorre quando há uma ausência constante de resposta emocional, interesse ou afeto por parte dos cuidadores, levando a criança a sentir-se rejeitada e colocando em risco a sua saúde (Humphreys et al., 2020).
Este tipo de negligência, geralmente crónica, pode causar problemas psicológicos e psiquiátricos a longo prazo, dependendo da intensidade, duração e frequência (Dahake et al., 2018).

Negligência Médica

Ocorre quando os pais não procuram cuidados médicos necessários, não cumprem o calendário de vacinação obrigatória, privam a criança de tratamentos quando está doente ou não administram a medicação prescrita.
A falta destes cuidados pode agravar doenças e até torná-las fatais.

Negligência Educacional

A negligência educacional verifica-se quando os cuidadores não asseguram o acesso à educação, não matriculando a criança na escola ou permitindo o absentismo sem justificação (Leeb et al., 2008).

Existem ainda outros tipos de maus-tratos identificados na bibliografia, como o Síndrome de Munchausen por procuração, a exposição à violência interparental, o tráfico de crianças para exploração laboral, trabalho infantil, mendicidade e abandono.

Sinais e sintomas associados à negligência

As situações que podem indicar negligência nos cuidados das crianças incluem:

  • falta de higiene (tendo em conta as normas culturais e o meio familiar);
  • vestuário desadequado em relação à estação do ano e lesões consequentes de exposições climáticas adversas;
  • ausência de rotinas, nomeadamente, de alimentação e do sono;
  • presença de nódoas negras (hematomas) ou outras lesões inexplicadas e acidentes frequentes por falta de supervisão de situações perigosas;
  • perturbações no desenvolvimento e na aprendizagem (linguagem, motricidade, socialização) sem o devido acompanhamento;
  • incumprimento da vigilância de saúde no âmbito das consultas programadas do Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil;
  • presença de uma doença crónica sem os cuidados adequados (cuidados e tratamento);
  • intoxicações e acidentes de repetição.

Estatísticas

O Relatório anual da actividade das CPCJ 2024 dá conta que a negligência foi a categoria mais comunicada, com 19.107 casos, representando 30,4% do total de situações de crianças e jovens em perigo.

Segundo a mesma fonte, houve um aumento de 1475 casos em relação a 2023, com uma ligeira variação percentual de 0,2%". 

Na categoria de perigo mais sinalizada, negligência, apurou-se ainda que a faixa etária das crianças mais novas, dos 0 aos 5 anos de idade, teve os números mais significativos, com 6611, seguindo-se a faixa etária entre 6 e 10 anos, com 5,282.

Os valores dos rapazes foram superiores aos das raparigas, com excepção do escalão 15 a 18 anos.

O que posso fazer perante uma suspeita de negligência?

Nos serviços de saúde, existem os Núcleos de Apoio a Crianças e Jovens em Risco (NACJR) equipas multidisciplinares que têm como principal responsabilidade a promoção dos direitos das crianças e a prevenção dos maus-tratos.

Se necessitar de apoio ou informação:

  • aceda à listagem da Rede Nacional de Núcleos dos centros de saúde e hospitais;
  • entre em contacto com a equipa do Núcleo de Apoio a Crianças e Jovens em Risco da área de residência da criança/jovem.

Caso tenha conhecimento de uma criança ou jovem, menor de 18 anos, em situação de perigo, numas das situações previstas no art.º 3.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo poderá comunicar a situação através do 116 111 ou fazer a comunicação desse facto, directamente, à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens da sua área de residência, às autoridades policiais ou ao Ministério Público.