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O paradoxo do salário mínimo regional: justiça à entrada, injustiça no topo

O aumento de 65 euros no salário mínimo regional da Madeira, elevando-o para 980€ em 2026, é apresentado como um gesto de justiça social. E é — em parte. Combate a pobreza laboral e aproxima a Região de padrões europeus. Mas esta política, feita em isolamento, está a criar um paradoxo perigoso: quanto mais sobe o mínimo, mais se comprime a pirâmide salarial, desvalorizando carreiras qualificadas e a motivação dos que investiram anos em formação. Em 2010, o mínimo regional era 484,50€. Em 2025, é 915€, e dentro de meses será 980€. Desde então, o salário mínimo duplicou. Mas o salário médio na Madeira não acompanhou: passou de cerca de 970€ em 2010 para 1.676€ em 2025 — um crescimento real muito inferior. Resultado: a distância entre o mínimo e o médio encolheu drasticamente. O trabalhador indiferenciado aproxima-se do qualificado, e o licenciado vê a diferença do seu esforço evaporar-se.

Basta olhar para a função pública. Um técnico superior (licenciado) entra com 1.442,57€ brutos. Se o mínimo regional for 980€, a diferença líquida entre um funcionário com curso superior e um trabalhador de base será inferior a 400 euros. Há 15 anos, essa diferença ultrapassava os 600. A matemática é simples e devastadora: estudar compensa cada vez menos. O problema não é subir o mínimo — é subir apenas o mínimo.

Quando o Governo Regional e o Estado anunciam aumentos significativos no patamar mais baixo, mas não ajustam o resto da grelha, criam um sistema salarial achatado e injusto. O sinal enviado aos jovens é perverso: formação, responsabilidade e mérito valem quase o mesmo que um posto indiferenciado. E isso mina a produtividade e a retenção de talento, especialmente numa região periférica que precisa desesperadamente de quadros técnicos.

O setor privado sofre o mesmo efeito. Pequenas empresas que pagam acima do mínimo são obrigadas a rever toda a estrutura interna para não colocar operacionais e técnicos no mesmo patamar. As que não conseguem repercutir custos reduzem investimento, adiam contratações ou recorrem a trabalho precário. A economia perde profundidade e qualidade. A Madeira está a convergir para rácios mínimos/médios muito elevados. É positivo para a coesão social, mas perigoso para o mérito e o incentivo. O equilíbrio justo seria garantir que o mínimo sobe — mas que as carreiras qualificadas sobem proporcionalmente. O Governo Regional poderia, por exemplo, indexar o aumento das carreiras técnicas e da base da função pública aos movimentos do salário mínimo regional, preservando um rácio mínimo de diferenciação. Do mesmo modo, poderia incentivar empresas privadas a criarem complementos salariais por qualificação e desempenho, garantindo transparência e justiça.

Valorizar o trabalho de base é essencial.

Mas nivelar por baixo é um erro estratégico. Quando um licenciado entra na Administração Pública com 1.442€ e o mínimo regional roça os 1.000€, a mensagem é clara: o custo da qualificação é pessoal, o prémio é residual. A Madeira precisa de subir o chão, sim — mas também de elevar o teto. Sem isso, teremos mais justiça à entrada… e mais injustiça no topo.