Entre o destino e a escolha
Em 1980, Robert Kleck, psicólogo da Universidade de Dartmouth, realizou uma experiência singular. Um grupo de estudantes foi convocado para entrevistas de trabalho, mas antes de entrarem na sala, metade foi informada de que teriam no rosto uma cicatriz proeminente, aplicada por um maquilhador. Viram-se ao espelho com a marca visível mas, sem o saberem, a cicatriz era removida discretamente. Assim, uns acreditavam apresentar-se com um estigma evidente; outros, com o rosto intacto.
Os resultados foram reveladores. Aqueles que pensavam ter a cicatriz sentiram-se tratados de forma diferente: relataram olhares de julgamento, atitudes de frieza e uma sensação de desvalorização. Os restantes, livres dessa crença, nada perceberam de invulgar. Não era a cicatriz que determinava a interação, mas a convicção da sua existência. Este estudo tornou-se um caso paradigmático de como a perceção condiciona a realidade vivida.
Convém distinguir termos: ser vítima é uma condição factual, inevitável em certos momentos da vida. Sofremos acidentes, injustiças, perdas. A mentalidade de vítima, porém, é outra coisa: é transformar o infortúnio em identidade, ver-se permanentemente como alvo de forças externas, atribuindo derrotas e frustrações a circunstâncias fora de alcance, sentenciando o futuro à prisão perpétua do passado.
Este estado psicológico está intimamente ligado ao conceito de lócus de controlo, formulado por Julian Rotter em 1954. Quem possui um lócus externo acredita que o destino depende de sorte, acaso ou dos outros. Quem tem um lócus interno reconhece que, embora nem tudo esteja nas suas mãos, as escolhas pessoais moldam de forma decisiva o rumo da vida.
Martin Seligman, nos anos 60, demonstrou a armadilha deste olhar externo, em experiências hoje eticamente discutíveis: submeteu cães a choques elétricos, e uns podiam interromper o estímulo premindo uma alavanca, outros não tinham qualquer controlo. Mais tarde, todos foram colocados numa caixa da qual poderiam escapar saltando uma pequena barreira. Os que aprenderam a agir fugiram de imediato; os que não tiveram controlo permaneceram imóveis, suportando os choques apesar da saída ao alcance. Assim nasceu o conceito de desamparo aprendido: quando alguém se convence de que nada do que faça fará diferença, acaba por não agir, mesmo quando a solução está diante de si.
É precisamente isto que acontece quando entranhamos a convicção de que a vida acontece contra nós, que não temos poder para responder, aprisionando-nos mais do que qualquer obstáculo.
A boa notícia é que, se o desamparo pode ser aprendido, também pode ser desaprendido. O primeiro passo é deslocar o olhar, do externo para o interno: em vez de perguntar “por que me acontece isto?”, perguntar “o que posso fazer, ainda hoje, para lidar com isto?” Essa simples mudança mental abre espaço para a ação e a responsabilidade.
A psicologia fornece-nos ainda exemplos encorajadores. Em 1976, Ellen Langer e Judith Rodin realizaram um estudo marcante num lar de idosos. A alguns residentes foram dadas pequenas escolhas, como cuidar de uma planta ou escolher o filme da noite. Outros permaneceram passivos, com decisões tomadas pela equipa. Ao fim de 18 meses, os primeiros estavam mais ativos, mais saudáveis e apresentavam taxas de mortalidade significativamente mais baixas. Pequenos gestos de autonomia geraram efeitos profundos.
A lição é clara: não precisamos de transformar a vida de um dia para o outro. Precisamos, sim, de criar microevidências de que temos capacidade de agir – escolhas quotidianas que nos recordam que não somos passageiros, mas condutores. Quando retomamos o controlo, mesmo em pequenas parcelas, recuperamos também vitalidade, esperança e resiliência.
É certo que a vida nunca será justa. Mas a diferença entre permanecer prisioneiro da mentalidade de vítima e assumir a própria responsabilidade está em onde colocamos o olhar: se no obstáculo, que muitas vezes não podemos eliminar, ou na resposta, que está sempre nas nossas mãos. Ou como postula a máxima de Marco Aurélio: “Se algo se interpõe no caminho, que se torne no caminho”.