Híbridas, irregulares, não convencionais
Não tem faltado informação sobre as mais badaladas guerra da actualidade – Gaza e Ucrânia. Acotovelam-se no pequeno écran diplomatas, sociólogos, historiadores, “especialistas militares” (?), e políticos, naturalmente.
O problema está em saber se há verdadeira diversidade, ou se, pelo contrário, acabam todos por beber nas mesmas fontes. Se hoje isso se vai tornando complicado, agora com o anúncio de Elon Musk em lançar a Grokipedia para competir com a Wikipédia (que é escrita e editada por voluntários), com conteúdos feitos através de IA e “verificados” através da Grok, também desenvolvida por Musk. Do produtor ao consumidor, sem perigo de alterações ou achegas indesejáveis.
Porque indesejável é ir ao fundo e origem dos problemas, mas, se assim fizermos, pouco mudou desde que Caim matou Abel, por uma questão de direito hereditário.
Fala-se de novos tipos de guerra, novas armas, novas doutrinas, mas o fundo da questão é o mesmo: impor ao adversário a nossa vontade, ou destruí-lo biologicamente.
Na escolha dos meios materiais e humanos para atingir os objectivos é que reside a verdadeira arte da guerra. Mas existe a tendência de nos enredarmos nas tecnologias, sem lhes apreender as consequências, que normalmente antecedem e ultrapassam as doutrinas. Por exemplo, a metralhadora e a peça de tiro rápido não determinaram logo a mudança de doutrina antes da I Guerra Mundial, e o Exército Francês continuou a pregar o “élan” do infante de baioneta calada como panaceia universal, com o resultado de milhões de mortos. Tal como Mao Ze Dong, durante a Guerra da Coreia, decidiu derrotar a superioridade de fogo terrestre, naval e aéreo dos americanos afogando “um mar de fogo num mar de homens”.
Nomes não faltam: guerra limitadas, não convencionais, híbridas, irregulares, etc. Ao ponto de parecer mais importante a classificação do que a resolução do problema concreto.
Um a caso de estudo é a guerra travada por Israel, em várias frentes, com várias abordagens. Em conflito permanente desde 1947, Israel tem-se desdobrado em várias opções para vários problemas. Actualmente, enfrenta o Irão com alta tecnologia, a ocupação da Cisjordânia com meios terrestres, a Faixa de Gaza com meios maciços de destruição física e biológica, e no Líbano, Síria de Yémen com soluções por medida.
Assim, na Palestina ocupada foi sendo ampliada a ocupação das terras com colonatos ilegais, apoiados pelo Exército. Com um paralelismo na Conquista do Oeste: fazem-se tratados com os índios; os colonos desrespeitam-nos, os índios reagem, inicia-se um conflito que é resolvido pela Cavalaria, a favor dos colonos, naturalmente. Novo tratado, novos desacatos, e o ciclo repete-se, até os índios ficarem confinados em reservas, ou simplesmente extintos. Porque, afinal, o único índio bom é o índio morto.
Já na Faixa de Gaza, o inqualificável massacre do Hamas de 7 de Outubro desencadeou um ataque em moldes completamente diferentes: destruição metódica e quase total, com paralelismo na destruição do Gueto, seguido, no ano seguinte, da cidade de Varsóvia. O objectivo era a desertificação, seguida de ocupação do território dos Filisteus, com a promessa de “uma nova Riviera”, que tanto agradou a Donald Trump. No ataque de Hitler à União Soviética, as tropas regulares eram seguidas por Einsatzgruppen de cerca de 3,000 membros das SS e Gestapo, além de voluntários alemães e locais, cuja missão era exterminar judeus, intelectuais, ciganos e comunistas. Com mais eficácia, porque trabalhavam fora de vistas.
Após a Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela ONU em 1948, pensou-se, talvez ingenuamente, que o Direito de conquista tinha sido abolido nas relações entre os povos. Mas, pondo em paralelo a Guerra da Ucrânia com a de Gaza, como distinguir a ocupação da região do Donetz com a da Cisjordânia ou de Gaza?
Pelo que se conclui que, se a ocupação se consumar, foi porque Israel quis e pôde.