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Crónicas

O bom, o mau e o faroleiro

Do Norte da ilha chegou a surpresa da noite eleitoral. Em São Vicente, o PSD perdeu a Câmara e todas as freguesias do concelho para o Chega. Não consta que tenha havido, por aquelas bandas, uma súbita deriva ideológica para a extrema-direita ou que os vicentinos se tenham transformado, da noite para o dia, em perigosos fascistas. Se dúvidas houvesse da ausência de ideologia na eleição, o novo presidente da câmara nasceu para a política como socialista, teve uma breve adolescência liberal e atingiu a maioridade às cavalitas de André Ventura. Talvez o problema não tenha sido São Vicente, mas o próprio PSD — porque, ao que parece, não basta pintar uma estrada de laranja para iluminar o caminho.

O bom: Jorge Carvalho

Diga-se o que se disser, na Madeira, a vitória regional numa eleição autárquica depende, essencialmente, de quem leva o Funchal de vencido. Por se jogar na cidade capital, muito mais do que uma vitória local, qualquer candidato à presidência da Câmara do Funchal carrega consigo a responsabilidade partidária de permitir, ou impedir, um discurso de noite eleitoral eufórico e vitorioso. No caso de Jorge Carvalho, ao peso do encargo partidário, somava-se a expectativa que a expressão da vitória obtida em 2021 sobre a coligação liderada pelo PS, fosse, no mínimo, igualada. Se a fasquia era elevada, o ponto de partida era tudo menos promissor – um presidente de câmara afastado, a sua substituta autoexcluída da eleição e o primeiro candidato escolhido, acabaria desistente ainda antes da campanha começar. É difícil imaginar pior cenário pré-eleitoral. Mas é muito fácil esquecê-lo, perante os resultados eleitorais de Jorge Carvalho no Funchal. Maioria absoluta na Câmara. Maioria absoluta na Assembleia Municipal. Vitória em todas as freguesias. Mais do dobro dos votos que o segundo partido mais votado para a Câmara. Isto não é uma vitória, é uma afirmação de confiança. É uma demonstração de autoridade política e de legitimidade popular, reservada a poucos políticos. Num tempo de populismos baratos, Jorge Carvalho relembrou-nos que ainda há vitórias que não se explicam apenas pelos números.

O mau: Paulo Cafôfo

“Não podemos perder mais tempo.” Foram as palavras escolhidas pelo presidente do PS Madeira para pontuar uma das piores noites eleitorais de que há memória na Rua da Alfândega. A urgência de Cafôfo em Outubro, contrasta com o beneplácito a que se permitiu em Março deste ano quando, após a derrota nas regionais, anunciou a sua demissão a conta-gotas. Cafôfo ficou para organizar o partido e acabou a dinamitá-lo. Aniquilou a Juventude Socialista, dizimou o que restava das estruturas locais do PS, obrigou Carlos Pereira a concorrer por Setúbal, foi profundamente desleal a Miguel Silva Gouveia e carregará consigo o caricato episódio que levou os socialistas a falhar o prazo de entrega de uma candidatura autárquica em Santana. Do primeiro ao último dia, a liderança de Cafôfo foi sempre mais sobre si e sobre a sua figura, do que sobre o PS. Talvez tenha sido nesta campanha autárquica que isso ficou mais evidente. À exceção de uma fugaz aparição em Machico para receber José Luís Carneiro - uma visita muito distante das eufóricas passagens de Costa pela Madeira - Cafôfo foi um líder absolutamente ausente da corrida eleitoral. Não falou, não escreveu, não apareceu. Até que, no último dia de campanha, despertou do sono profundo não para falar do PS, das eleições ou dos candidatos, mas para revelar que estava mesmo de saída da liderança socialista. Uma vez mais, falou sobre si. Fez-se, ele próprio, em detrimento de todos os outros candidatos socialistas, título de notícia. Este narcisismo político tem um preço. Em vez de sair pela porta grande como o socialista que mais se aproximou de uma vitória regional, sairá pela porta pequena como o líder que se demitiu às prestações.

O faroleiro: Élvio Sousa

À entrada da última semana de campanha autárquica, Élvio Sousa atirou a matar. Ele, o seu partido e a sua candidata avisaram que vinham para ganhar a Câmara do Funchal. A premonição política, de recorte faraónico, não é novidade no discurso político do chefe do JPP. Já em Março passado, também na reta final da campanha para as legislativas regionais, Élvio Sousa confessou ter visto nas estrelas que um dia governaria a Madeira. Na noite eleitoral que se seguiu, os astros não lhe confirmaram a visão e a única estrela que Élvio Sousa viu foi uma maioria avassaladora do PSD. A constante necessidade de prever o futuro – sempre exageradamente favorável ao JPP – transforma as suas intervenções em verdadeiros monólogos de fé, assentes numa convicção, quase mística, de que o JPP está a um passo do poder. Até mesmo que o voto o desminta. E na recente noite eleitoral autárquica, o presságio de Élvio Sousa teve o mesmo destino. Não que o resultado tenha sido mau, até porque o JPP elegeu vereadores onde antes nem representantes tinha, mas a tentação de apontar para uma vitória histórica – como fez no Funchal – e acabar a celebrar uma derrota por goleada (o JPP teve menos de metade dos votos do PSD) é, cada vez mais, a caricatura de um líder que vive mais da promessa do que da conquista. Promete torres de vigia, mas só ergue torres de marfim. Dali, Élvio Sousa vê, comenta e desconfia de tudo, mas já há muito que parece mais encantado com o eco da sua própria voz do que com o mundo cá em baixo.