Queremos ou precisamos?
Agora adultos, às necessidades de sermos vistos, reconhecidos, escutados, respeitados, honrados - em vez de continuarmos a procurar fora responderemos a partir de dentro, da nossa essência para exercer a nossa (re)parentalidade consciente e generativa. Basta imaginar: como seria se eu fosse o meu pai ou a minha mãe?!
Que é como quem diz, desejo ou necessidade?
É essencial entender a diferença entre ambos para percebermos na prática, quais as melhores estratégias a utilizar a cada momento. Seja no relacionamento connosco mesmos, seja no relacionamento de casal, amigos e muito, mesmo muito importante, na relação com os nossos filhos. É que como pais temos a obrigação de identificarmos e preenchermos as necessidades dos nossos filhos. Sejam elas fisiológicas e/ ou emocionais. E não, não é igual a ser permissivo.
Um exemplo simples: uma criança pede um bolo à hora de jantar. O bolo é um desejo, alimentar-se é uma necessidade. Posso dizer que sim ou que não ao bolo, mas tenho que dizer ‘sim’ à necessidade da criança se alimentar. E tal como satisfazemos necessidades fisiológicas também devemos satisfazer as necessidades emocionais. Por exemplo, a criança quer ficar a brincar em vez de dormir. Ao observar entendemos que ela tem necessidade de conexão, afinal, passámos o dia separados. Posso dizer que ‘não’ ao brincar e assegurar que a conexão está muito presente durante as rotinas do deitar. Ou seja, podemos escolher satisfazer ou não, um desejo. Em relação às necessidades, se queremos mesmo proporcionar o melhor ambiente possível para os nossos filhos, então, em relação às necessidades não há grande escolha.
Outro exemplo prático pode ser o de uma criança com discalculia ou com dislexia; enquanto as necessidades desta criança não forem identificadas, o seu comportamento pode ser o de tentar escapar aos trabalhos de casa, dizer que a forma como lhe explicam em casa é diferente daquela que aprende na escola e que por isso, é melhor fazer os trabalhos com a professora de referência, apresentar uma postura entendida pelo adulto como tendo falta de humildade para escutar o que lhe está a ser explicado... Em suma, pode apresentar uma série de comportamentos inadequados, sob a forma de desejo só porque não consegue, sozinha, satisfazer as suas próprias necessidades. Tem sentido, não tem? Pois... E (re)lembro que o que acontece na infância, não fica na infância, vai connosco para a vida, senão vejamos: imaginemos que o adulto de referência tinha pouco tempo disponível para estar com a criança e que quando acontecia estavam à mesa, a comer bolos. A criança cresceu e agora, adulta, pode sentir o desejo de comer bolos, cada vez que sente a necessidade de conexão. É, muitas vezes, uma forma de regulação. Costumo dizer que “andamos à procura do amor na dispensa, ou no frigorífico.”
Outro exemplo que dou e que vai ao encontro do que acontece a muitas mulheres, sobretudo, mães, tem a ver como a minha necessidade de comer chocolate. Descobri que é uma forma de me regular, acalma a minha ansiedade. Depois de muito investigar, percebi que quando como chocolate sinto-me mais calma e mais serena. Chamo-lhe ‘a estratégia do chocolate’.
Ora, o desejo em si é uma espécie de estratégia que temos para satisfazer necessidades. Portanto, os desejos são uma consequência direta das necessidades. E, nem sempre, as estratégias que utilizamos são as mais saudáveis.
Lembremo-nos que a desobediência, hiperatividade e birras são apenas algumas das atitudes que podem ser observadas em crianças e adolescentes durante seu desenvolvimento (e hoje, nem vou falar dos adultos). É comum, pais e professores interpretarem estas condutas e atribuírem o rótulo de mau comportamento, mas existe outra forma de entendê-las. Todo o comportamento é uma forma de comunicação das nossas necessidades. Através dele, nós comunicamos aquilo que precisamos, aquilo que necessitamos.
Trago este tema hoje porque sinto que atualmente, somos tantas vezes inundados por conselhos de terceiros, que embora embora bem-intencionados, na sua origem, são também, fundamentados em mitos, ideias preconcebidas e hábitos culturais, até quando são dados por alguns profissionais.
Eu própria, quando me tornei mãe, recebi muitos conselhos (e julgamentos) que além de não solicitados, eram péssimos. Muitas dessas orientações ignoravam a evolução científica sobre o desenvolvimento infantil, humano, sobretudo na área da neuro-fisiologia, caindo na armadilha de práticas ultrapassadas, muito centradas na crença na inflexibilidade de regras e limites. Curiosamente, muitos destes conselhos e “certezas” vinham de pessoas que nem filhos tinham. É por isso, essencial repensar e atualizar estas ideias, integrando a compreensão científica e as necessidades individuais de cada criança. É a única forma de promovermos uma parentalidade informada, consciente, generativa.
Porque o que acontece a um adulto que confunde desejo com necessidade é que vai entrar pelo caminho da violência. Seja ela física – com a tal “palmada na hora certa”, seja psicológica, através dos castigos (inclui o ‘time-out’), do silêncio, da atribuição de julgamentos – “és impossível”, “és arrogante”… e outras formas. Só que a violência não cabe num relacionamento saudável.
Bem sei, por experiência própria, que, numa sociedade onde a palmada e os castigos são regularmente usados e onde muitas pessoas cresceram com os mesmos, em momentos de despespero (e há muitos na parentalidade!) possam surgir. Mas a diferença entre algo que acontece pontualmente, em situações extremas de falta de recursos, aliado à consciência de que o que se fez não é o melhor e a defesa de um direito de bater numa criança, é enorme. A investigação aponta para um elevado risco de saúde mental futura, indica também que a violência (palmadas, castigos, ‘time-out’ e afins) faz mal e mostra ainda, que nenhum deles melhora o comportamento a longo prazo. Bastaria um pouco de bom-senso para perceber que a violência não ensina resolução de conflitos e competências saudáveis para relacionamentos.
Pelas lentes da ciência, uma criança que faz birras não está a tentar manipular, não se está a portar mal, está apenas presa num ciclo de stress e precisa de ajuda para sair dele. Está num estado de desregulação (birra) e precisa de ter as suas necessidades preenchidas. Isto não significa que temos de fazer o que a criança quer, mesmo que pareça uma questão da vida ou morte. Separamos o desejo (pode ser o de comprar algo) das necessidades (conexão, regulação, segurança…). E podemos suprir as necessidades, sem ceder aos desejos.
Os pais são os “líderes” da regulação, não é ao contrário. São os adultos que têm de validar as emoções e manter a sua decisão. Podemos dizer algo como: “percebo que querias muito este ‘brinquedo’. E agora estás muito zangado porque não o pudeste
ter. Às vezes, é mesmo difícil lidar com a frustração. Também é difícil para mim, quando quero muito uma coisa e não a posso ter.”
Quando conseguimos manter a calma, conectar e amar, a oxitocina e restantes neuroquímicos que o nosso corpo produz ajudam-nos a recuperar da desregulação.
A criança (e todos nós!) nunca quer ‘só’ atenção, e jamais deverá ser punida por isso.
“Ama-me mais quando menos mereço pois é quando mais preciso.”
Provérbio sueco
Precisamos de atenção, validação, reconhecimento, e devemos recebê-los. Logo, as duas principais perguntas a fazer para ter sucesso na satisfação da necessidade são:
– Está à procura de atenção por quê?
– Qual é a melhor forma de eu satisfazer a sua necessidade?
Percebo que a vergonha e/ou o medo de estar errado, do julgamento, muitas vezes nos leve a defender o que foi feito, em vez de acedermos à empatia, pararmos, escutarmos e refletirmos. E a vontade de bater, de castigar, de gritar sente-se nas entranhas do corpo. No passado já senti esse movimento estranho, vísceral. Já senti muita vontade de gritar e gritei. Já dei a tal “palmada na hora certa”. Já castiguei. Mas amadureci e sei que um desejo é muito diferente de uma necessidade. E identificar quais são as minhas necessidades naqueles momentos, tal como quais são as necessidades da criança (ou do outro adulto), é vital. A vergonha e a culpa que já senti como mãe, quando as escutei verdadeiramente, de forma honesta, levaram-me a questionar, a investigar, a estudar, a desaprender hábitos culturais herdados, crenças enraizadas, a exercer uma reparentalidade, a aprender coisas novas que me permitem fazer escolhas diferentes, abrindo um vasto leque de possibilidades que me fazem sentir muito melhor comigo, com as minhas filhas e com quem escolho relacionar-me.