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Crónicas

Frente Cívica (2) e Economia Social de Mercado

1. Na semana passada, aventei a possibilidade de uma Frente Cívica como resposta à crise política e estrutural da Madeira. Hoje, gostaria de explorar com mais detalhe o que considero ser a base necessária para um modelo de desenvolvimento sustentável: a aplicação, devidamente adaptada, da Economia Social de Mercado. Dito de forma simples, seria o casamento – sempre difícil e desafiante – entre o dinamismo de um mercado livre e a justiça social. Uma solução tão promissora quanto exigente, que requereria mais do que a gestão apática e clientelista a que a Madeira nos habituou.

Convém começar pelo óbvio: o modelo de Economia Social de Mercado, tal como idealizado por Ludwig Erhard, não é um slogan vazio. Foi uma resposta prática a um país devastado pela guerra, com uma economia destruída e uma sociedade profundamente fracturada. E funcionou, não porque fosse perfeito ou infalível, mas porque combinava princípios de liberdade económica com um Estado rigorosamente disciplinado e focado na coesão social. É, no fundo, um modelo que depende de algo que falta à Madeira: uma classe política capaz de ver além do ciclo eleitoral e de assumir responsabilidades sem subterfúgios.

Na Madeira, onde as especificidades da insularidade criam desafios únicos, a aplicação deste modelo exigiria reformas estruturais profundas. A economia regional está anquilosada, dependente do turismo de massa e dos subsídios do continente e da União Europeia, sem uma base produtiva que assegure autonomia efectiva. Não há sector agrícola moderno, não há indústria competitiva, e até o turismo, suposto motor económico, está preso a uma visão ultrapassada, que confunde quantidade com qualidade. A Madeira, sob a ilusão de ser uma economia aberta, tornou-se uma economia subsidiada, gerida por uma máquina política que sobrevive à custa de benesses e favores.

A primeira condição para implementar a Economia Social de Mercado seria libertar o sector privado do espartilho burocrático e dos interesses instalados. Não faltam na Madeira empreendedores capazes, mas faltam condições. A burocracia é sufocante, a fiscalidade é pesada e a economia é capturada por grupos económicos que prosperam à sombra do poder político. Para mudar este estado de coisas, seria necessário um choque de simplificação administrativa, incentivos fiscais claros e um compromisso real com a inovação. Sectores como a economia azul, a transição digital e as energias renováveis são constantemente mencionados em discursos oficiais, mas raramente recebem os investimentos necessários ou uma estratégia coerente.

Depois, há o papel do Estado. Num modelo de Economia Social de Mercado, o Estado não desaparece, mas actua como regulador e garante de justiça social. Na Madeira, o Estado tem sido tanto omisso como omnipresente. Omisso, na medida em que permite o avanço de interesses privados sem escrutínio, e omnipresente, ao perpetuar um modelo clientelista que depende de transferências financeiras externas. É necessário um Estado que intervenha apenas onde o mercado falha, mas que o faça com eficiência e transparência. Parcerias público-privadas, por exemplo, são uma boa ideia, mas na Madeira frequentemente transformam-se em contratos opacos, onde o risco é público e o lucro privado.

Além disso, a Madeira precisa de uma revolução administrativa. A actual máquina governativa é pesada, redundante e ineficaz. Reformas que reduzam o número de organismos públicos, profissionalizem a administração e introduzam critérios de mérito são imperativas. A descentralização de competências para os municípios poderia contribuir para uma governação mais próxima das realidades locais, mas só se for acompanhada de fiscalização rigorosa e da rejeição do clientelismo que infecta a política regional.

O discurso da sustentabilidade também merece atenção. Na Madeira, esta palavra tornou-se um chavão vazio, repetido sem convicção e sem planos concretos. Sustentabilidade não é apenas plantar árvores ou apostar no turismo ecológico, é reestruturar toda a economia para reduzir a dependência externa, diversificar as fontes de rendimento e investir na valorização dos recursos locais. A aposta no turismo de qualidade, em vez do turismo de massas, é apenas um exemplo. Outro seria a valorização de produtos regionais – desde o vinho Madeira até ao peixe e à agricultura biológica –, mas isso requer investimento, certificação e um mercado organizado, não os impulsos de ocasião que têm marcado a acção governativa.

Finalmente, há o eterno “contencioso da Autonomia”. A retórica do confronto entre a Madeira e o continente é um erro histórico que apenas perpetua divisões artificiais. A Autonomia não deve ser um pretexto para alimentar discursos de oposição ao Estado central, mas sim uma ferramenta para integrar a Madeira no projecto nacional, respeitando as suas especificidades. Isso implica maturidade política, tanto em Lisboa como no Funchal, e a superação de décadas de antagonismo estéril.

A aplicação da Economia Social de Mercado na Madeira não seria um remendo. Seria uma transformação profunda, que exigiria liderança política, visão estratégica e a coragem de enfrentar os interesses instalados. Sem isso, continuaremos com uma autonomia que não é virtuosa nem eficaz, mas sim uma dependência disfarçada, perpetuada por uma classe política sem coragem ou imaginação.

Em última análise, a Madeira deve decidir se quer ser um exemplo de governação moderna e responsável ou se prefere continuar a ser um microcosmo de velhas práticas e ilusões perdidas. A Economia Social de Mercado oferece uma possibilidade de progresso, mas, como em tudo, o sucesso depende das pessoas que a implementam e, na Madeira, essas pessoas, até agora, têm falhado.

2. A propósito de uma tentativa de visita de parlamentares do Chega às obras do Novo Hospital, é verdadeiramente grotesco que certos deputados, embalados por uma noção enviesada da sua importância, se achem no direito de invadir espaços e atropelar regras como se fossem donos disto tudo. Estes senhores, com ares de pequenos ditadores provincianos, ignoram – ou fingem ignorar – que o poder político, numa democracia liberal, é limitado por leis, regulamentos e pelo mais básico decoro institucional.

O Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira não é um pedaço de papel decorativo, mas um conjunto de normas que definem e restringem o exercício do poder dos deputados. Contudo, a mera ideia de que há limites parece insultar estas almas iluminadas que confundem representação popular com uma licença para a arbitrariedade. É ridículo, não fosse profundamente preocupante, que alguém com responsabilidades públicas precise de ser lembrado de algo tão elementar.

Se é ignorância, é uma ignorância indesculpável, e se é premeditação, é um ataque frontal às bases do sistema que deveriam servir. Em qualquer dos casos, este espectáculo patético só prova que, em certas figuras, a soberba ultrapassa largamente a competência, e a demagogia é a sua única arma. A política madeirense, já com pouca credibilidade, não precisa de mais farsas nem de protagonistas menores com delírios de grandeza.

3. Há um certo encanto patético em observar como, ano após ano, o poder regional nos brinda com a sua habitual incompetência. Janeiro chega, e com ele o previsível isolamento marítimo do Porto Santo. Uma tradição lamentável que, pasme-se, já dura há trinta anos. Durante seis semanas, um mês e meio, os porto-santenses ficam condenados ao silêncio das águas, reféns de uma negligência que seria cómica, não fosse trágica.

Esta história já nem sequer se limita à burocracia. É o retrato perfeito de um regime que se acostumou ao “deixa andar”. O contrato de concessão é claro: a ligação marítima deve ser contínua, mesmo durante a docagem do Lobo Marinho. Mas em vez de cumprir o prometido — uma embarcação de substituição —, oferecem-se 3.000 lugares em viagens aéreas.

E depois, claro, há a desculpa de sempre: “não há embarcações disponíveis no mercado”. Como somos especiais, nós madeirenses, este autoproclamado umbigo do mundo. E, no entanto, em Cabo Verde, uma nação que ninguém acusa de ter grandes ambições marítimas, as ligações inter-ilhas continuam a funcionar como se fosse a coisa mais normal do mundo, contratando a companhia outro ferry quando os seus vão para manutenção. Será que devemos concluir que a Madeira, com toda a sua pompa e prémios por dá cá aquela palha, não é capaz de encontrar um barco de substituição? Ou será que o problema reside, como sempre, na indiferença e na falta de visão dos que nos governam? Ou então, e nem quero crer nisso, num qualquer interesse comercial?

Esta vergonha não é apenas o resultado de negligência, é uma escolha política. Um regime habituado à mediocridade, que vive de promessas vãs e não vê qualquer utilidade em resolver os problemas reais da sua população. No programa de governo aprovado, Miguel Albuquerque e os seus amigos garantiram que esta situação terminaria. A verdade, como todos sabemos, é que a manutenção do Lobo Marinho serve de metáfora perfeita para a gestão pública na Madeira: um navio encalhado, sem rumo, e uma população deixada à deriva.

Entretanto, o Porto Santo espera. E espera. Espera que, um dia, a promessa de uma ligação marítima contínua seja mais do que uma miragem. Mas, enquanto a máquina do poder continuar a girar em torno dos seus próprios interesses, os porto-santenses continuarão a ser prisioneiros de uma ilha que se tornou sinónimo de abandono. E nós, espectadores impotentes, assistimos, ano após ano, a esta história trágica que não merece perdão.