DNOTICIAS.PT
Crónicas

O bom, o mau e o professor

O bom: Relatório do Conselho de Finanças Públicas

Parece inacreditável que, há pouco mais de dez anos, a comunicação social nacional entoava em coro que a autonomia teria sido desculpa para a impunidade orçamental da Madeira. Ficaram escritos, para memória futura e em diversos espaços de opinião, esgares de horror aos “privilégios fiscais” dos madeirenses e ameaças de suspensão das transferências do Estado, enquanto a Madeira não pagasse a sua dívida.

Muitos dos que fizeram eco de tamanhas barbaridades, sempre lestos a apoucar o que escapa ao centralismo lisboeta, não escreveram uma linha que fosse sobre o mais recente relatório do Conselho de Finanças Públicas sobre as finanças da Madeira e dos Açores. O tema é o mesmo, mas a conclusão é radicalmente diferente. Em 2023, as Regiões Autónomas registaram um crescimento económico superior ao conjunto do país, as dívidas regionais continuaram na trajetória descendente e as duas regiões atingiram uma posição de equilíbrio orçamental. Pouco ou nada se escreveu sobre isto. É expectável que a política orçamental apenas entusiasme quando é deficitária, mas depois de tanto bradar, depois de tanto contribuinte continental ofendido, era justo que se emendasse a mão e se fizesse nota do percurso sério e responsável feito pelas Regiões Autónomas em termos orçamentais e de redução da dívida. Não para que se fizesse disso o âmago de toda a atuação do Governo Regional. Para isso bastou-nos a obsessão com o pagamento de dívida que reinou no Funchal ao longo da governação socialista, com resultados conhecidos na redução do investimento na cidade. É, porém, curioso que a métrica da responsabilidade orçamental mereça tanta prosa em tempo de crise e tão pouca em tempo de superação.

O mau: Marcelo Rebelo de Sousa

Na semana em que foi forçado a sair do paraíso para ouvir os “partidos madeirenses” sobre a crise política na Madeira, Marcelo continuou igual a si próprio. Mestre na arte de estar em todo o lado, não por dever presidencial, mas por um desassossego adolescente em nunca ser esquecido. A cada abraço fotogénico, a cada aperto de mão inusitado, Marcelo não resiste a ser estrela do seu próprio espetáculo. Ao ponto de ter feito da Presidência da República não um lugar de Estado, mas um palco onde, diariamente, se encena o culto à sua ubiquidade. É nesse constante deslumbramento presidencial, que deve ser analisado o (des)tratamento que Marcelo deu aos assuntos da Madeira. A crítica ao Presidente da República não se prende com a satisfação do dia preferido pelos partidos para o ato eleitoral. Primeiro, porque não cabe aos partidos escolher o dia de eleições. Segundo, porque a diferença de uma semana no calendário eleitoral não é política, é mera logística. A verdadeira desconsideração de Marcelo à Madeira está na sua indisponibilidade para vir à Região, como fez em 2018, ouvir os legítimos representantes dos madeirenses. Antes preferiu fazê-lo, com evidente enfado, no intervalo de uma conferência sobre a carreira de um artista plástico no Palácio de Belém. Para Marcelo, a Madeira é logística que se despacha no interlúdio da encenação em que se transformou o seu mandato. Talvez por isso, Marcelo nos deixe um legado mais próximo de um influencer do que de um chefe de Estado.

O professor: Paulo Cafôfo

Se houvesse um manual sobre tática partidária, Paulo Cafôfo provavelmente teria escrito o capítulo sobre a eliminação política dos adversários internos e seria professor catedrático na matéria. No dia seguinte ao desafio lançado por Carlos Pereira – a realização de eleições primárias no PS Madeira – Cafôfo fez-lhe a vontade. E, com isso, roubou-lhe o chão. É certo que as eleições convocadas por Cafôfo serão pouco mais do que um simulacro de democracia interna e, tendo em conta a antecedência com que foram marcadas, arriscam-se a ser um passeio solitário para o atual líder socialista. Todavia, é politicamente insustentável que Carlos Pereira, num dia, reclame por eleições e, literalmente, no dia seguinte, se recuse a participar nelas. Não há argumento político que resista a esta cambalhota, especialmente depois da vontade com que Pereira, no início, se chegou à frente. Por mais matreira que seja a estratégia de Cafôfo, por mais enviesadas que sejam as regras eleitorais, o que fica para a história é a indisponibilidade de Carlos Pereira em participar num ato eleitoral que ele próprio exigiu. E assim, Cafôfo sai a ganhar a dobrar. Vai ganhar no Partido Socialista e com isso silencia, por agora, a oposição interna que era cada vez mais ruidosa. E ganha junto da opinião pública, pois perante o desafio de um adversário interno, escolheu um caminho diferente do trilhado por Miguel Albuquerque, que continua intransigente a eleições no PSD. Resta saber se Manuel António Correia aceitaria o que Carlos Pereira recusou.