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Arquipélago da Madeira - Maravilha Atlântica

Decorre actualmente na sede da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, uma exposição dedicada a Maria Lamas, “jornalista e escritora, pedagoga e investigadora, tradutora e fotógrafa, lutadora pelos direitos humanos e cívicos em tempos de ditadura” e também – nas palavras do seu curador Jorge Calado – “porventura a mais notável mulher portuguesa no século XX”. A exposição foca-se, essencialmente, nas fotografias da autora, em particular naquelas que viriam a figurar em As Mulheres do Meu País – obra publicada entre 1948 e 1950, em fascículos para fugir à censura do Estado Novo – extraordinário documento de natureza etnográfica no qual as fotografias, na sua despojada e contundente beleza, nos recordam a aspereza do Portugal rural dos anos 40.

Não sei se Maria Lamas foi a “mais notável mulher portuguesa do século XX”. Tenho, todavia, por certo que foi, sem sombra de dúvida, a autora do mais notável guia da Ilha da Madeira do século XX. Arquipélago da Madeira – Maravilha Atlântica, assim se chama esse extraordinário guia. Numa das vitrines da exposição da Gulbenkian, em lugar de pouco relevo, está uma primeira edição datada de 1956. A autora exilou-se voluntariamente na Madeira em 1955, onde permaneceu cerca de ano e meio, período em que se dedicou à sua escrita. Tomei conhecimento deste guia há uns quinze anos por força da investigação que levei a cabo sobre as quintas madeirenses e logo me apercebi que se tratava de uma obra de excepção.

Maria Lamas dedica todo um capítulo do seu guia às quintas madeirenses. Tendo ficado alojada numa delas, cedo se apercebeu do significado e importância que estas casas e os seus jardins tinham na paisagem do belo anfiteatro do Funchal: “Hoje, sem exagero, o Funchal é uma cidade de quintas! Fora do centro e dos velhos bairros chegados à beira-mar, as ruas correm, algumas inteiramente, por entre os seus muros, todos debruados de trepadeiras coloridas”. E, com efeito, assim era ainda nos idos anos 50 do século passado...

Mas tão interessante quanto estas e muitas outras observações perspicazes que a autora faz sobre a fisionomia e história das quintas da Madeira, é o facto de, em tom confessional, nos revelar a progressiva melancolia que sobre ela vão exercendo: “A vida nas quintas toma a índole especial do lugar em que decorre: brandura, serena espectativa, uma vaga melancolia...” Mais tarde, talvez já saturada do seu auto-exílio, confessa com acrimónia: “o “clima” das quintas é propício à excessiva subjectivação da vida, ao alheamento das realidades humanas – o mesmo é dizer que, ali, cada um vê-se e sente-se à parte do resto do Mundo – condição fundamental para resvalar numa infelicidade sem causa definida, uma ausência de estímulo mil vezes mais fatigante e aniquiladora que a luta consciente e clara de viver”. Tinha chegado a hora de partir. Em 1962 Maria Lamas exilava-se em Paris para só regressar a Portugal depois do 25 de Abril.