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Ventura numa Aventura

É evidente o crescimento da popularidade de Ventura, que sozinho compõe um partido que alcançou já meio milhão de votos. Confesso que não sou adepto da forma como se tem encarado o combate a uma força que explora as mais desumanas vulnerabilidades sociais e que promove uma postura política que não é compaginável com os valores democráticos de um Estado de Direito.

Não se combatem discursos populistas recorrendo a discursos demagógicos. O padrão de categorizar André Ventura como fascista, racista e xenófobo não adianta rigorosamente nada, antes pelo contrário, apenas contribui para a perfeita estratégia de vitimização da qual tanto beneficia como se de um concorrente de Big Brother se tratasse.

A verdade é que André Ventura se moderou em questões criminais, como a castração química e a prisão perpétua, mas radicalizou-se em questões financeiras. Descobriu que Portugal é um país rico, não fosse a imensidão de corrupção que assombra o país.

Os famosos €20 mil milhões a arrecadar da corrupção vêm de uma estimativa de um estudo feito no Parlamento Europeu, “The Costs of Corruption Across the European Union”, que em bom rigor se refere a um valor de €18,2 mil milhões. Esta quantia é, sem margem para dúvidas, exorbitante. Mas, as medidas de combate à corrupção que Ventura propõe não explicam como, quando e onde é que se vai buscar esse dinheiro, porque para o Presidente do Chega basta lançar números e puxar dos decibéis para parecer credível. O que não deixa de ser paradigmático que os portugueses ao PS e ao PSD exijam tudo e um par de botas, mas aos partidos mais pequenos qualquer discurso fácil para problemas complexos enche as medidas.

Ventura em meia dúzia de dias conseguiu prometer tudo a todos, numa competição com o BE e o PCP a ver quem, entre eles, é o mais socialista. Prometeu equiparar as pensões mínimas ao salário mínimo, prometeu recuperar o tempo de serviço dos professores, prometeu eliminar o IMI, prometeu eliminar o IUC, prometeu que os jovens até 35 anos não terão de pagar IRS, prometeu descer o IVA da restauração até ao mínimo possível (6%), prometeu equiparar os subsídios das forças e serviços de segurança, prometeu taxar os lucros da banca e das gasolineiras, defendeu o salário mínimo nos mil euros, e poderia continuar com o conjunto de promessas que a única coisa que fariam seria meter a Troika num avião de volta a Portugal.

Ventura cometeu um erro ao se perfilar nesta passadeira vermelha de compromissos alucinantes. Uma parte do seu eleitorado, essa sim fascista e saudosista do Estado Novo que outrora andou adormecida na abstenção, não quer propostas, mas um rompimento pidesco do sistema que há muito anseiam. A outra parte trata-se de meros revoltados que sempre votaram no PS ou no PSD e, agora, vêem as conversas de café e as atitudes de tasca vertidas na representação circense da política – leia-se: Assembleia da República.

Ventura tem a difícil função de agradar a conservadores, a nacionalistas, a ultracatólicos, a identitários, a monárquicos, a democrata-cristãos, a liberais conservadores, a ex-combatentes do Ultramar, a ex-socais democratas, a brasileiros bolsonaristas e aos admiradores de Trump. Tem-no conseguido, e tem também conseguido ser a preferência nos eleitores mais jovens que são confrontados com a falta de capacidade de inovação e modernização dos partidos moderados e das suas juventudes partidárias que desvalorizam a vontade e o trabalho nos meios onde esses mesmos jovens se movimentam digitalmente – nas redes sociais. Fazer-se política sem contraditório é fácil, e, por incrível que pareça, é isso que tem acontecido nos subterfúgios das redes sociais.

A Aliança Democrática, na esperança de que vencerá – como é sua obrigação – as eleições de 10 Março, marcou, e bem, uma linha vermelha a André Ventura colocando-o entre a espada e a parede, a ver se se junta ou não ao PS para derrubar um governo de direita. Caem na memória, acontecimentos passados, como a primeira maioria absoluta de Cavaco Silva ou a maioria absoluta de António Costa, em que o eleitorado penalizou os partidos que derrubaram os respetivos governos. Mas a verdade é que nunca mais a direita conseguiu voltar ao pré-2019 e, desta vez, levará avante quem tiver o poder de controlar a narrativa. Nesse campo, aconselharia a que não se subestimasse Ventura.