Crónicas

Lá ao fundo, o sol!

Sim, a vida deixa-nos marcas, umas mais profundas outras nem tanto. Passamos todos por isso

Há tempos em que parece que o mundo nos calha nas mãos e outros em que parece desaparecer sem deixar rasto. Há dias em que a noite parece não acabar e outros em que nos dá a sensação de acordarmos com o sol no corpo. Há momentos em que adormecemos juntos e nos sentimos sozinhos ou mesmo sozinhos nos sentimos ligados a alguém. Há quem nos mate por dentro e quem nos dê vida e nos faça renascer. Quem nos queime os sonhos e todos os planos e quem nos ajude a construir outros, diferentes mas nem por isso menos especiais. São as circunstâncias da vida, que nos moldam e nos fazem aprender mas nem por isso, por muito que haja quem pense assim, nos tornamos peças em segunda mão, que vão para a prateleira dos usados e percam valor ou utilidade. Todos temos um passado, todos passámos por situações mágicas e tenebrosas e não é isso seguramente que nos define. O que nos define é a forma como a cada momento juntamos as pecinhas todas e reconstruímos de forma diferente. Sem olhar para trás. Se achas que perdeste 15 anos da tua vida pensa que podias ter perdido 20 se perdeste 20 talvez sem a tua força pudesses ter perdido 30.

Sim, a vida deixa-nos marcas, umas mais profundas outras nem tanto. Passamos todos por isso. O que conta é a capacidade de voltar a sonhar, de voltar a acreditar. Quando somos mais novos achamos que uma desilusão amorosa é o fim do mundo. Tudo acaba ali. Não há mais nada. Com o passar do tempo percebemos que tudo funciona de forma diferente. Mesmo assim, quantas são as vezes em que ficamos ali, presos a qualquer coisa, na esperança de acreditar no que não volta mais? Seja no trabalho ou nas relações pessoais, é cada vez mais difícil lidar com pessoas, com os seus fantasmas e medos, com a sua bipolaridade ou a sua segunda face. Quantas vezes não pensámos em desistir, que não valia a pena, que não existiam segundas oportunidades? Não há nada mais perigoso do que ficarmos aprisionados à falta de amor próprio. De acharmos que foi só uma vez e que tudo vai melhorar. A verdade é que lá ao fundo, depois de todas as tempestades, de um tempo que parece não acabar, de dias que parecem anos, lá bem ao fundo haverá sempre um sol.

As vezes somos o que somos, outras vez sentimos que somos ninguém. Umas vezes percorremos estradas e lagos por alguém e outras só queremos que nos deixem em paz. Muitas vezes só queríamos alguém ali, outras desejamos ardentemente que ali não esteja ninguém. Há quem se envergonhe com o tempo que perdeu e quem se orgulhe do quanto ganhou. Há quem justifique sempre os fracassos com os outros e quem arranje sempre uma razão para tentar outra vez. A magia está em percebermos que o tempo não espera por nós. Que não temos que nos resignar com o pouco, achando que não há mais nada. O fim é um novo recomeço, a nova oportunidade, o novo desafio. A beleza da vida está em encontrarmos o espaço, o nosso espaço e a felicidade. As portas que se abrem, os momentos perfeitos que se constroem, as novas pessoas que se conhecem. Não há nada mais nobre do que conseguirmos fugir do que nos afunda, dos que nos diminuem e nos desiludem. É por isso que acredito em novos recomeços, em caminhos diferentes e em novas histórias.

Cada um de nós merece lutar por ser feliz e não aceitar menos do que isso. Mesmo que tudo nos mostre o contrário. Há sempre espaço para mudar o que não nos permite ser o que gostávamos de ser. Dou muito valor a quem larga tudo para procurar alguma coisa melhor. Acredito que no meio de tanta gente que não presta há também os que valem a pena, os que nos mostram outras cores, os que fazem sentido. É isso que temos que procurar. Os que nos mandam mensagem a dizer que se lembraram de nós só porque sim. Os que nos acompanham quando tudo corre mal, os que não nos deixam sozinhos quando precisamos de alguém. É essa cumplicidade, essa empatia que fica, mesmo que a paixão desapareça. Os que encontram outras formas de amar. Vejo por aí muita gente que desistiu de viver só porque acha que não há nada lá ao fundo. Mas lá ao fundo há o sol. E o sol é tudo o que cabe nos nossos sonhos, tudo o que sempre imaginámos, o que nos fez e faz correr atrás. Às vezes é preciso errar para acertar, é preciso sofrer para viver e é preciso lutar para encontrarmos o que faz sentido. Nunca deixem de o procurar.